Tomando
como fonte principal os registos paroquiais do séc. XVIII, mais propriamente o
primeiro livro deste registo, que medeia o período de 1706-1741 (ainda que
incompleto), iremos desta feita tentar analisar quem viveria no espaço do Paço
Real da Ribeira de Muge neste período.
O
espaço que acreditamos ser aquele que hoje conhecemos como as ruínas do Paço
Real da Ribeira de Muge era nesta época abrevado pelos padres que serviram a
Paróquia de Santo António da Raposa como “Passos dos Negros” ou simplesmente “Passos”.
De entre os vários assentos que temos com referência a este local, destacam-se dois
casais: João Nunes e Maria Rodrigues (ou Maria Roiz*) e Domingos Nunes e Maria
Lopes. Assim sendo, torna-se interessante seguir os passos destas famílias.
Árvore
Genealógica de João Nunes.
Elaboração
através da tecnologia MyHeritage Family
Tree Builder
Não
temos conhecimento quando se casam João Nunes e Maria Rodrigues. Contudo, sabemos
que pelo menos quatro dos seus seis filhos, quando foram batizados, viviam
neste local: Isabel (1717), Maria (1719) Joana (1719) e António e José (1723 –
gémeos?). Possivelmente aqui terão nascido, visto que as crianças eram
batizadas ainda em muito pequenas – até devido à alta mortalidade infantil
existente à época, e à necessidade de garantir a salvação da alma. Se estes
foram abrevados pelo Padre Pedro de Barros, que colocava no assento o local
onde viviam os pais do batizando, o mesmo não fazia o Padre Manuel Ribeiro, que
batizou os dois primeiros filhos do casal: Manuel (1711) e João (1715). Seria
que já nesta altura o casal aqui vivia?
Será
também enquanto moradores no Paço Real da Ribeira de Muge que irá morrer uma
filha ao casal (Joana – 1721). Em 1719 morre um Manuel Nunes, morador neste
local, que podemos questionar-nos se teria algum parentesco com João Nunes
(seria seu pai?). Sabemos que não será o seu filho mais velho, pois este irá
casar-se em 1736 com uma viúva, Jacinta Maria. Curiosamente, é o mesmo ano em
que volta a casar João Nunes (que ficara viúvo em 1729, quando vivia no Arneiro
da Volta), com Leonor Nogueira. Os pais desta eram naturais do Moinho do
Pinheiro e João Nunes vivia, à época, na Parreira.
Um
outro aspeto curioso, que nos pode remeter para a importância social que teria
João Nunes, são os padrinhos dos seus filhos. Paulo Soares da Mota, almoxarife
do paço e residente em Almeirim é o padrinho dos seus cinco filhos mais velhos,
juntamente com a sua mulher, Josefa Maria. Seria João Nunes um criado do
próprio Paulo Soares da Mota, ou o responsável pelo paço na sua ausência, e que
executava a gestão diária de acordo com as suas instruções? Quanto aos dois
filhos mais novos, o padrinho é António Rodrigues, morador no “Moinho do Passo
dos Negros”, e sua filha, Josefa. Evangelista (2009), aventa a possibilidade de
Paulo Soares da Mota ter morrido no início da década de 20. Será por esta razão
que não é padrinho destes dois últimos filhos de João Nunes? Contudo, a escolha
de António Rodrigues não deixa de ser interessante. Este comprara o moinho em
1719, por 180 mil réis. Logo, podemos crer que se tratava de um proprietário
não diremos abastado, mas com algumas posses. Estaremos então perante os mais
“importantes” residentes da Ribeira de Muge?
Um
outro aspeto curioso, ainda dentro deste mesmo tema, prende-se com o facto de,
entre 1515 e 1525 estarem assentados 30 casamentos, sendo que em cinco destes,
João Nunes foi testemunha, sendo assim uma pessoa frequente, nesta época, a
quem se recorria para apadrinhar estas cerimónias. Destes, há a descartar o de
Juliana Rodrigues com Francisco Dias, em 1722. Esta Juliana era moradora no
Moinho do Passo dos Negros”, e filha de António Rodrigues, o que confirma o
“compadrio” entre ambos. O mesmo é confirmado pelo número de vezes que foi
padrinho de batismo, entre 1711 e 1719, em que num espaço de oito anos, João
Nunes apadrinha seis crianças, cinco das quais em conjunto com a sua mulher.
No
que diz respeito ao outro casal que na segunda década do séc. XVIII habitou os
“Passos dos Negros”, verificamos que à partida, não seriam tão influentes como
João Nunes e Maria Rodrigues. Com efeito, enquanto residentes neste local,
apenas surgem quatro registos relativos a Domingos Nunes e Maria Lopes.
Contudo, antes de nos determos sobre estes, devemos lançar-nos numa outra
interrogação: existiria alguma ligação familiar entre Domingos Nunes e João
Nunes? Seriam irmãos ou primos? Não o sabemos. Contudo, fica a interrogação
levantada. É curioso que “Nunes” é um apelido recorrente nos “Passos dos
Negros” nesta época. Para além destes dois sujeitos e Manuel Nunes, aludido
anteriormente, existe também um António Nunes, que em 1728 fica viúvo de
Sebastiana Santos (e no registo menciona que esta era pobre). Estariam todos
eles ligados por laços familiares?
Árvore Genealógica de Domingos Nunes.
Elaboração
através da tecnologia MyHeritage Family
Tree Builder
São
batizados no tempo em que foram moradores em “Passos dos Negros” três filhos de
Domingos Nunes e Maria Lopes: Ana (1715), Mariana (1717) e Manuel (1721). Aliás,
não temos conhecimento, segundo o disposto no registo paroquial, que o casal
tenha tido mais filhos. Sabemos que em 1722 o casal está a viver no Moinho da
Ponte Velha, pois é aí que toma como afilhado o filho de João Simões e Mariana
Carvalha, que também aí moravam.
Ainda
uma outra pessoa digna de interesse: Inácio Santiago. Este, natural da
Freguesia do Chouto e morador no Moinho da Parreira em 1727, ano em que se casa
com Josefa Maria, natural da freguesia de Vale Cavalos e moradora no mesmo
local. Ambos já eram órfãos à data. Será ainda no Moinho da Parreira que, em
1731, será batizado Manuel, filho deste casal. Todavia, em 1737 irá morrer-lhes
um outro filho, João, sendo nesta altura moradores já nos “Passos dos Negros”.
Em 1739, ainda neste local, morre a própria Josefa Maria. Em 1740, no assento
de casamento entre Domingos Álvares e Isabel Maria, de que Inácio Santiago é testemunha,
é mencionado como morador nos “Passos dos Negros”. Irá voltar a casar, em 1741,
com Mariana Dias (do Casal da Machuqueira – Lamarosa). Não é aqui referido onde
vivia Inácio Santiago. Viveria ainda no mesmo local?
Para
além destes, existem mais alguns assentos nos registos paroquiais que mencionam
os “Passos dos Negros”, com os quais, contudo, não é possível estabelecer
relações de continuidade, como fizemos até aqui. Em relação a batismos, temos
notícia apenas de mais um, para além dos aludidos anteriormente. Foi em janeiro
de 1718, de Josefa, filha de Manuel da Silva e Macária Maria. Está morrerá no
mesmo ano, em 24 de novembro.
Já
em relação aos assentos de óbitos, surgem-nos mais quatro de moradores nos
“Passos dos Negros”: em 1715 o de Manuel Luís (casado com Sebastiana Dias), em
1727 o de António Marques, em 1736 o de Maria Martins e em 1738 o de Manuel,
filho de Maria (o registo está danificado, e não é percetível os apelidos em
questão).
No
que diz respeito a casamentos, em 1724, um Manuel (cujo apelido não é
percetível), aqui morador, é testemunha do matrimónio de Manuel Rodrigues (do
Vale de Inferno) e Maria Nunes (dos Abobrais). Em 1728, Francisco Freitas,
igualmente morador nos “Passos dos Negros”, é testemunha de casamento de
António da Silva (de Lamego) e de Polónia da Silva (de Pombal). Sobre este
último enlace, podemos levantar algumas interrogações, com a possível
importância social dos noivos, visto que além dos serem de longe, a cerimónia
foi cocelebrada pela Superior do Convento da Serra, o Padre Frei Alexandre da
Purificação.
Por
fim, e para encerrar este tema, resta-nos ainda abordar uma questão: o espaço
dos “Passos dos Negros” tinha uma capela, dedicada a S. João Baptista. Contudo,
verificamos que todas as cerimónias eram efetuadas aqui, mas sim na Igreja
Paroquial de Santo António da Raposa. Exceção feita a dois casamentos, em 1715
e 1716, de que João Nunes é testemunha.
*
Surge como Maria Rodrigues quando o assento é feito pelo Padre Pedro de Barros
e como Maria Roiz quando este é feito pelo Padre Manuel Ribeiro.
Bibliografia e Fontes:
(1706-1741). Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados – Raposa (Sto.
António).
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço
dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.
Com
esta publicação, encerramos o propósito a que nos submetemos no início de 2014:
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no ano em que se assinalam 500 anos da sua conclusão. Clique na imagem para
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