Foto de Manuel Evangelista
Resumo
Se
entendermos por moagem o ato da transformação de grãos em matéria comestível,
podemos afirmar que esta é uma das atividades que acompanha o ser humano desde
as comunidades recolectoras, quando o Homem trincava grãos, sendo esta a mais
primitiva forma de trituração. A partir daqui, e ao longo da evolução humana, o
homem foi aperfeiçoando as técnicas de transformação do cereal, não só com a
força humana e de animais, mas também com o aproveitamento da força da água e
do vento.
No
vale constituído pela Ribeira de Muge, onde os vestígios da presença humana são
anteriores ao período da formação da nacionalidade, encontramos, de braço dado
com a presença de vários povos, indícios de atividade moageira.
Tendo nós
estabelecido como limite para estudo a atividade molinológica ao longo desta
ribeira entre as suas confluências com a Ribeira do Chouto (a montante) e a
Ribeira da Lamarosa (a jusante), encontramos aqui, nos nossos dias, onze
engenhos, nos mais variados estados de conservação (ou de ruína). Para além destes,
temos ainda registos e memórias de outros tantos moinhos, já desaparecidos no
que a vestígios diz respeito, mas que ainda permanecem nas memórias de alguns e
na documentação do séc. XIV a esta parte.
Contudo,
o grande desafio para quem investiga e estuda molinologia é conseguir adaptar
os estudos genéricos à realidade a que se dedica. Porque, efetivamente, sendo
os moinhos de rodízio (predominantes na Ribeira de Muge) os mais disseminados
por Portugal, serão substancialmente diferentes neste local e em
Trás-os-Montes, não só pela presença de materiais diferentes, para construção,
como também por uma realidade económica distinta, que exige uma resposta
diferente, aquando da construção e manutenção do engenho.
É
precisamente esta realidade distinta que queremos vincar: aquilo que distingue
os moinhos da Ribeira de Muge de todos os outros moinhos.
Decidimos
estruturar a presente comunicação em três partes distintas. Na primeira
contextualizamos os moinhos como elemento do processo de moagem, assim como as
diversas tipologias que existem destes. Numa segunda fase, abordamos a evolução
histórica dos engenhos nas margens da Ribeira de Muge. Por fim, fazemos uma
descrição deste património do ponto de vista técnico e socioeconómico.
1.
Sistemas tradicionais de moagem
Para partirmos para o estudo deste
tema, há três perguntas que, a nosso ver, têm de ser respondidas:
A.
O que é a moagem?
A moagem é o processo de trituração de determinado bem. Numa aceção mais
alimentar, a moagem é processo de transformação de um grão numa substância
comestível (que não tem necessariamente de ser farinha).
B. Desde
quando é que existe moagem? A moagem é uma atividade que acompanha desde
sempre o homem. Podemos afirmar que a sua mais primitiva forma foi o trincar
entre os dentes de sementes.
C. O que é um
moinho e que tipos de moinhos existem? O moinho é a soma de três elementos:
um aparelho motor (que pode ser acionado pela força da água, do vento ou pela
força humana), a moega (casal de mós e demais elementos que efetuam a moagem) e
o edifício que alberga o aparelho.
1.1. Primeiras
técnicas de moagem
Imagem 1: Técnica do “bater” – Almofariz de pedra – Ilha da Madeira. Fotografia em
“Sistemas Tradicionais de moagem”.
Imagem
2: Técnica do “esfregar” – Moinho de Rebolo (Museu dos
Moinhos Vitorino Nemésio)
Os
dois utensílios acima foram os primeiros utilizados para moer. O primeiro
consistia em colocar o grão numa superfície, desferindo movimentos horizontais
sobre este, por forma a obter um granulado. É a chamada “técnica do bater”, a
partir da qual se evoluiu para o almofariz. A segunda técnica, chamada “técnica
do esfregar”, obtinha-se por via do instrumento da
segunda imagem, um moinho de rebolo, em que o cereal era depositado na calha e
deslizava-se uma pedra sobre este. Tanto numa técnica como noutra não se
obtinha farinha, mas sim um granulado, que era utilizado na alimentação, sob
forma de papas.
1.2. Engenhos
Tradicionais de Moagem
Imagem 3: Sistematização
de tipologias de moinhos. Elaboração própria.
No
que às tipologias de moinho existe, podemos agrupá-las, como mencionado
anteriormente, em três grandes categorias, consoante a força motriz: Moinhos a
Sangue (acionados pela força do homem ou de animais), moinhos hídricos
(acionados pela força do vento) ou moinhos hidráulicos (acionados pela força da
água). Dentro de cada uma destas categorias, existem sub-categorias, a saber:
A. Moinhos a
Sangue:
a) Mós
Manuais:
são simples mós redondas, com um olho (buraco redondo, onde cai o cereal para
ser moído), de acionamento direto.
b) Moinholas: também podem
ser chamadas de zangarelhas, e o aparelho já é mais complexo que o das mós
manuais. A grande evolução em relação a estas é a existência de um dispositivo
que permite o acionamento indireto, através de uma manivela, chamado urreiro.
c) Atafonas: com a atafona
o processo da moagem deixa de ser uma atividade doméstica e começa a revestir
características mais industriais. A atafona é acionada por um animal, que gira
em torno da moega (quando é de acionamento direto), ou à parte desta (quando a
atafona é de acionamento indireto). O ofício de atafoneiro era distinto do de
moleiro.
B. Moinhos de
Vento
a) Moinhos de
Vento de Torre Fixa:
São estruturas cilíndricas, normalmente de alvenaria (apesar de existirem alguns
exemplares de madeira). Dentro destas podemos criar duas sub-tipologias: os
moinhos de vento saloios e os moinhos de vento serranos. Os primeiros
predominam sobretudo a sul de Coimbra, e caracterizam-se por serem rebocados,
caiados de branco e com uma barra de cor viva. A rotação do capelo (telhado),
para apanhar o vento dominante, é feita por um dispositivo interior chamado
sarilho, que consiste numa manivela à qual é ligada uma corrente que vai sendo
presa no arganel. Quanto ao moinho serrano, as suas paredes são de silharia, e a
rotação do capelo é feita por um dispositivo exterior – o rabo – que liga o
capelo ao chão, e que é empurrado pelo moleiro na direção do vento dominante.
b) Moinhos de
Vento Giratórios:
são pequenos engenhos, feitos de madeira e com rodas, em que todo o edifício
gira para apanhar o vento dominante. Tem um espigão fixo, que se torna o eixo
sob o qual roda todo o engenho. As rodas estão assentes sobre uma
circunferência de pedra, que atua como se fosse um carril, chamada carreira. A
sua grande vantagem é que são de fácil desmonte e deslocação para outros
locais.
c) Moinho de
Vento de Armação:
Estrutura metálica, de estilo americano, em que em vez de velas, o moinho tem
uma roda de palhetas, que apanha o vento com superior eficácia em relação aos
demais.
C) Moinhos
Hidráulicos
a) Moinhos de
roda horizontal:
são moinhos em que existe uma roda, disposta na horizontal, na parte de baixo
do moinho (os infernos), e em que a cada roda corresponde um casal de mós.
Estas rodas podem ser rodízios ou rodetes. O rodete funciona dentro de um poço,
feito à medida, e sob o sistema de turbina, ou seja, funciona submerso. Já o
rodízio, se houver uma cheia e ficar submerso, deixa de trabalhar.
b) Moinhos de
roda vertical:
também chamados por azenhas, têm uma grande roda exterior, colocada na lateral
do engenho, sob a qual cai água. Uma única roda de azenha pode tocar vários
casais de mós, através de um veio principal, que pode ter várias entrosgas.
Contudo, necessita de um caudal superior aos moinhos de roda horizontal.
c) Moinhos de
Maré: são
engenhos, normalmente de rodízio, que utilizam a diferença entre a maré alta e
a maré baixa para trabalhar. Têm uma grande caldeira, que vai enchendo à medida
que a maré vai subindo, e que é fechada quando esta atinge o ponto mais alto.
Assim que os rodízios emergem, libertam a água sobre estes, acionando assim o
moinho. É de todos os moinhos o mais dispendioso, daí ter normalmente sempre um
elevado número de mós.
1.3. Desafios
em estudar este tema
Estudar
a atividade moageira tem algumas características próprias com as quais é
preciso aprender a lidar. Em primeiro lugar, do ponto de vista histórico, é
preciso ter presente que os moinhos alteram constantemente de nome. Com efeito,
ora vêm agregados ao nome dos seus moleiros ou proprietários, ora à herdade/
quinta a que pertencem, ou ainda são mencionados com preciosismos geográficos.
Por exemplo, um dos moinhos dentro do nosso objeto de estudo é referido, desde
o século XIV, como Moinho da Regueifeira, do Gonçalo, de Vasco Velho, do
Policarpo, do Clérigo, das Donas e de Cima.
Por
outro lado, há que ter igualmente presente o contexto regional em que o mesmo
se insere. Com efeito, e no que ao caso português concerne, há uma diferença
substancial entre o sul e o norte do país. Se a norte o moinho é um edifício
pequeno, utilizado sobretudo para a economia familiar, tendo normalmente apenas
um casal de mós, a sul são comuns moinhos com quatro ou cinco casais de mós,
destinados essencialmente à comercialização. Para além disto, há uma diferença,
de local para local, nos utensílios dos moinhos (devido às matérias-primas
existentes), além da designação dos próprios nomes dos elementos que constituem
o engenho. A título de exemplo deste último, um pouso pode também assumir o
nome de mó de baixo, pedra jazente, cepo, poiso, dormente, mó de pé ou assento.
O
que abordamos aqui é o que podemos considerar, para o caso português, padrão.
Contudo, existem realidades dispares de local para loca, tanto no nosso próprio
país, como no estrangeiro. As imagens abaixo transportam algumas dessas mesmas
diferenças, e ainda que com configurações diferentes, nos casos mediterrânicos,
os moinhos do centro da europa são totalmente diferentes daqueles que temos no
nosso país.
Imagem 4: Moinhos de
Vento na Ilha de Porto Santo (Madeira). Imagem da Internet.
Imagem 5: Moinhos de
Vento na Ilha do Faial (Açores). Imagem da Internet.
Imagem 6: Moinhos de
Vento em Toledo (Espanha). Imagem da Internet.
Imagem 7: Moinhos de
Vento em Mykonos (Grécia). Evidenciam-se aqui os capelos cobertos de colmo.
Imagem da Internet.
Imagens 8, 9 e
10: Post Mill (Países
Baixos), Tower Mill (Inglaterra) e Smock Mill (Inglaterra). Imagens da
Internet.
2.
Um olhar histórico à atividade moageira na Ribeira de Muge
A zona em estudo abarca o médio curso
da Ribeira de Muge, ao longo de três concelhos (Chamusca, Almeirim e Salvaterra
de Magos). Estabelecemos como limite a montante a confluência da Ribeira do
Chouto com a Ribeira de Muge e a jusante a confluência desta última com a
Ribeira da Lamarosa. Para além dos engenhos situados na ribeira, abordamos
também aqueles que estão nos seus afluentes, ou que são de outras tipologias,
nomeadamente de vento.
O mais antigo vestígio de moagem aqui
presente vem das Ferrarias (Raposa), e é uma mó manual, atribuída ao Período
Romano.
Em
relação aos moinhos em si, temos vestígios (físicos, documentais ou testemunhos
orais) de 22 engenhos nesta área. Do ponto de vista histórico, iremos apenas
abordar o primeiro testemunho que temos de cada um deles.
1434: D. Duarte,
para por fim a uma contenda entre os limites dos Termos da Vila de Muge com a
Vila de Santarém estabelece que este “vai
da estrada pelos moinhos da regueifeira para Coruche”. Este engenho,
que chegou aos nossos dias, encontra-se hoje perto do limite entre os concelhos
de Almeirim e Salvaterra de Magos.
1459: Já no Termo
da Vila de Muge, é construído nesta data um moinho por Gomes Eanes (Moinho
do Gomes), entre dois outros já existentes (Moinho do Porto de Lançarote,
a jusante e a montante o Moinho do Gonçalo – anteriormente da Regueifeira).
1511: são neste ano
mencionados três engenhos junto ao local onde se estava a edificar o Paço Real
da Ribeira de Muge, que eram pertença de Vasco e Francisco Palha. Eram eles o que
estava junto à cerca do paço, o Moinho do Meio, por ser o que estava no
meio dos três, e o Moinho de Baixo ou Moinho Derradeiro, por ser
o último no curso da ribeira. São todos doados ao rei.
1518: no Paço Real
da Ribeira de Muge é criado um almoxarifado. Ao segundo almoxarife, Antão
Fernandes, D. Manuel I autoriza a construção de um moinho em qualquer parte do
Vale João Viegas.
1549: Nesta data,
João Pires tem autorização para construir um engenho em frente ao Vale Porco, sendo
mencionado nas confrontações do local que abaixo existia um outro engenho, o Moinho
de Cristóvão Soares.
1709-1741: É este o
período de abrangência do primeiro livro dos assentos paroquiais da Paróquia da
Raposa. Para além de muitos dos moinhos já aludidos, surgem pela primeira vez o
Moinho dos Gagos (1712), Moinho da Raposa (1712), Moinho do
Fidalgo Fernão Teles de Meneses (1715 – na Ribeira da Calha) e o Moinho
de Vale Flores (1718). Para além destes, surgem outros engenhos, designados
pelos nomes ou de seus proprietários ou moleiros, que não conseguimos atribuir
a nenhum dos que já sabemos existir, mas também não conseguirmos comprovar que
serão outros engenhos além dos já testemunhados.
1876-1881: segundo um
testemunho oral, é construído um novo Moinho dos Gagos ao mesmo tempo
que a ponte de Santarém.
1900-1920: segundo
testemunhos orais, será neste período que será construído o Moinho do
Fidalgo, no espaço do Paço Real da Ribeira de Muge, entretanto vendido a
Manuel Francisco Fidalgo. Este manda fazer este novo engenho para tirar um
rendimento superior ao das duas minholas que tinha no Vale João Viegas, sendo
que acreditamos que uma delas seja o moinho (ou o herdeiro) de Antão Fernandes.
1933: Nesta data é
efetuado um levantamento de toda a “Herdade dos Paços dos Negros”, onde são
grafados os engenhos e surgem pela primeira vez o Moinho do Ti Manuel
Custódio, e uma azenha e moinho de vento junto à casa de Custódio Caniço.
1937/38: É construído
um Moinho de Vento, por Manuel Custódio, para conseguir alternar com a
falta de água da ribeira. Ficou conhecido simplesmente por este nome por ser o
único da sua tipologia em Paço dos Negros.
Por
fim, podemos mencionar o Moinho da Gaga, moinho de vento situado junto
aos Foros de Benfica, mas já no Concelho de Salvaterra de Magos, assim como a Minhola
de Vale Flores, situada no concelho da Chamusca. Destes não temos qualquer
testemunho ou registo, contudo, temos as suas ruínas nos locais em questão.
Imagem 11: Mapa com a
localização geográfica dos vários engenhos. Elaboração própria a partir de
cartas militares.
3.
Um olhar técnico à atividade moageira na Ribeira de Muge
3.1.
Tipologias de Moinhos presentes
Imagem 12: Mapa com a
localização geográfica dos vários engenhos, com as tipologias devidamente
assinaladas. Elaboração própria a partir de cartas militares.
3.1.1. Moinhos
de Vento
No
que ao Moinho de Vento de Armação diz respeito, este teve uma curta duração.
Foi construído no final da década de 30 e desmantelado em 1964. Era um moinho
de armação, tipo americano.
Quanto
ao Moinho de Vento da Gaga, foi um moinho de vento de torre fixa, com tração de
sarilho. Com efeito, apesar do capelo já ter desaparecido, são ainda visíveis
os arganéis na parede interior do engenho.
3.1.2. Moinhos
de Rodízio
Como
podemos reparar através da imagem, a tipologia predominante de moinhos na
Ribeira de Muge são os moinhos de rodízio. Com efeito, há três razões que levam
a que estes sejam os engenhos mais numerosos em Portugal, e que à nossa
realidade se podem adaptar.
a) Não
necessitam de um grande caudal. Tendo presente que os moinhos não se
edificam nos próprios cursos de água, mas em canais desviados para esse efeito,
e tendo igualmente em conta que ao longo da Ribeira de Muge, precisamente no
Verão (quando há menos água) se cultiva o arroz (cultura que necessita de uma
grande quantidade de água), esta teria de ser melhor repartida entre as várias
necessidades, e um moinho que necessite de um caudal mais diminuto seria um
fator de peso.
b)
Investimento diminuto. Com efeito, a construção de um moinho de rodízio
requer, face a outros menos dinheiro investido. Por se poder localizar junto a
qualquer pequeno curso de água (o que diminui o custo da localização), pode
adaptar-se também o seu tamanho as necessidades, nomeadamente económicas,
construindo um engenho com mais ou menos casais de mós.
c)
Conhecimento técnico mais reduzido. A manutenção dos engenhos podia ser
feita pelo próprio moleiro, ainda que com materiais diferentes, e ficando os
vários elementos diferentes do original, mas ainda assim, funcional.
3.2.
Mecanização dos engenhos tradicionais de moagem
O
Decreto-Lei 35 551 de 13 de setembro de 1949 vem autorizar a adaptação de
motores de combustão nos engenhos tradicionais de moagem, movidos pela força do
vento e da água. Na Ribeira de Muge laborariam nesta altura cerca de dez
engenhos (é difícil ter uma noção exata, uma vez que tínhamos acabado de sair
de um período de racionamento em 1945, em que foram proibidos de laborar os
engenhos tradicionais). Destes, cinco levaram adicionados motores de combustão.
Apenas sabemos a data de dois deles: o Moinho de Vale Flores, em 1950, e o
Moinho de Vento, em 1957. Para além destes, também o Moinho de Cima teve um
engenho, assim como o Moinho do Fidalgo (motor esse que tinha servido para
regar os campos do Sorraia). Quanto ao Moinho da Raposa, foi-lhe adaptado um
motor de um barco, e tornou-se num local onde se descascava o arroz (tanto que
o edifício é conhecido na Raposa como “o descasque”).
3.3.
Proprietários e utilizadores de moinhos
Bertold
Moog criou uma grelha teórica, onde podemos encontrar as mais variadas
realidades no que à exploração de moinhos diz respeito. No que diz respeito à
realidade da Ribeira de Muge, podemos encontrar duas realidades distintas:
a) Hired Miller ou Moleiro contratado: aqui o
moinho é uma valência de uma herdade ou quinta, e o moleiro é um empregado do
proprietário da mesma. O trabalho desenvolvido no engenho é com os cereais
cultivados na propriedade ou com os dos caseiros residentes na mesma.
b) Wage Milling ou Moagem a soldo: nestes
engenhos, o moleiro pode ser o proprietário do moinho ou um empregado deste.
Situam-se por norma junto ou nos aglomerados populacionais, e trabalham para as
populações, com os cereais que estas cultivam nas suas hortas. Cobram uma maquia
(uma parte do cereal que é para ser trabalhado). As populações encaram o moinho
como o local onde podiam comprar tudo aquilo que as suas hortas não davam: a
farinha e o arroz (para quem não os cultivava, logo não os mandava fazer pelo
regime da maquia), assim como o farelo, que era utilizado para alimentação dos
animais.
Imagem 13: Tabela onde
surgem alguns dos engenhos cuja história económico-social do séc. XX temos
devidamente recolhida e tratada, sendo distribuídos pelo tipo de propriedade e
localidade.
Pela
tabela acima, há uma coisa que salta imediatamente à vista: onde vigora o
sistema de “Moleiro contratado”, os moinhos assumem o nome da herdade onde se
inserem (com exceção do Moinho de Cima / Quinta do Pinhão). Onde podemos
considerar que existe a chamada “Moagem a soldo”, os moinhos assumem o nome dos
seus proprietários ou moleiros (o Moinho do Pinheiro também era conhecido como
Moinho do Bento, por ser esse o nome do seu moleiro).
3.4. Trabalho
do Moinho
Imagem
14: Trabalho do Moinho do Fidalgo, por casal de mós.
Sobre o quadro acima, elaborado pela
realidade económica dos anos 60-70 do Moinho do Fidalgo, podemos constatar que
num mesmo engenho trabalhavam-se vários cereais, e que as mós podiam ser
tocadas por várias forças diferentes.
Para alem disto, há que lançar duas
notas importantes. Em primeiro lugar, o moinho não trabalhava apenas para a
produção de farinha, tendo um outro produto trabalhado: o arroz. Com efeito,
aqui descascava-se arroz (colocando uma forra de cortiça no pouso, e aumentando
a distancia entre as mós, por forma a não farinar o grão). Por outro lado, aqui
fazia-se também milho partido, para forragens de animais.
3.5. Especificidades
regionais / locais dos moinhos da Ribeira de Muge
Existem
alguns elementos que caracterizam a atividade moageira que são transversais a
algumas zonas do país. Outros elementos apenas os conseguimos encontrar, até à
presente data, na zona da Ribeira de Muge. Assim, podemos salientar os
seguintes:
a) Rodízios: Os rodízios
dos moinhos, na zona em estudo, são forjados em ferro. Cremos que mais uma vez
é a zona de Coimbra que atua como fronteira nesta questão, sendo que a norte
desta cidade será mais comum encontrar rodízios feitos em madeira.
b) Suspensão
dos tegões: na
zona da Ribeira de Muge, os tegões são suspensos sobre o casal de mós agarrados
a um poste, e será esta a forma predominante no sul do país. Já a norte,
predomina a suspensão do tegão em barrotes.
c) Rela: a rela é o
dispositivo onde assenta o aguilhão, ou seja, a ponte da pela. A pela (que
começa no aguilhão e termina na segurelha) é o veio que transmite o movimento
do rodízio à andadeira. Aqui, encontramos relas feitas de cubos de cobre. Foi o
único local onde encontramos relas desta forma. Nos demais sítios em Portugal
que visitamos, temos notícia da rela ser uma pedra.
d) Levada: como já
referimos, os moinhos encontram-se sob um canal artificial que é desviado do
curso de água principal. Esses canais são, por norma, lajeados, e com algumas
dezenas de metros e chama-se levadas. No caso da Ribeira de Muge, esses canais
chegam a ter quilómetros, tocam vários moinhos e servem outros fins, como regar
as hortas e a cultura do arroz. São chamados “vala do munho”, ou seja “vala do moinho”. Existem duas, sendo que a
primeira vale tem cerca de 1,2 Kms, tocando o Moinho do Ti Manuel Custódio e o
Moinho do Fidalgo. A segunda terá cerca de 5 Kms, tocando o Moinho do Pinheiro,
Ponte Velha, Várzea e possivelmente terá tocado também o desaparecido Moinho da
Parreira.
Comunicação apresentada no I Colóquio "Paisagens Agrárias do Vale do Sorraia: Arqueologia, História e Património", que decorreu em Glória do Ribatejo, no dia 18 de julho de 2015.