sábado, 27 de março de 2010

Igreja de S. Gião


Iconóstase

Imposta decorada com baixo-relevo (palmetas, neste caso)

Não poderia deixar de falar aqui da Igreja de S. Gião (Quinta de S. Gião - Nazaré). Este espaço, desde que o conheci, tem-me fascinado bastante... tanto mais que, a nível académico, já me serviu de objecto de estudo duas vezes. Acho que sempre que possa, voltarei a trabalhar acerca deste admiravel edifício.
Não se podendo percisar a sua construção exacta, esta situar-se-à entre os séculos VII e X, sendo contudo mais consensual a sua construção no séc. X, durante o domínio árabe. Este último facto é apenas o príncipio das suas muitas características singulares, uma vez que este edíficio é quase único na Península Ibérica. Para além disto, apresenta-se bastante compartimentada, sendo repetido várias vezes a medida três, facto que acho bastante curioso (três naves, um trasepto compartimentado em três partes, ), com uma densa iconostase (ver imagem - muro que separa o clero dos fiéis, e que apresenta também três vãos, pelos quais estes últimos recebiam a comunhão). Por outro lado, pode ainda referir-se toda a decoração que impera neste espaço: as impostas decoradas com baixos-relevos com cruzes, palmetas (imagem), entre outros.
Sendo classificada como Monumento Nacional desde 1986, é vergonhoso o estado em que se encontra. A mais alta classificação nacional a que um bem pode aspirar em Portugal, não está em consonância com o estando em que a Igreja de S. Gião se encontra. A ruína impera. Recobos caídos, muros quebrados, entre outros. Foi colocada uma estrutra para protecção, que já se encontra enferrujada...
Enfim, é este o estado em que se encontra a mais antiga igreja de Portugal.
Deste período existem em Portugal pelo menos mais dois edíficios, que ainda não tive o prazer de visitar: a Igreja de S. Frutoso de Montélios (em Real - Braga) e a Igreja de S. Pedro de Balsemão (Lamego).


Algumas leituras interessantes acerca deste espaço:



ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de (2001). O Românico. Col. História da Arte em Portugal, vol.
1. Lisboa: Editorial Presença.


ANTÓNIO, Paulo (2006). "A Igreja de S. Gião vai ser restaurada", in: Jornal da Nazaré. Nr. 59.


CABALLERO, Luis, ARCE, Fernando e UTRERO, M.ª de los Ángeles (2003). "S. Gião de Nazaré
(Portugal). Un tipo original de iglesia", in: Arqueologia de la Arquitectura. Nr. 2 (pp. 75-79).


CASALEIRO, Óscar Enrech (2009). "S. Gião: A igreja mais antiga de Portugal?", in: Família Cristã.
Ano LV, nr. 2 (pp. 66-68).

terça-feira, 16 de março de 2010

Os livros também são património: "Ética e Infinito"


Acabo neste mesmo momento de ler a minha primeira obra de cariz filosófico. Chama-se "Ética e Infinito", e são entrevistas feitas por Philippe Nemo a Emmanuel Levinas acerca de vários temas da sua obra, tais como a Bíblia, o "Há", o Rosto, a Gloria do Testemunho, entre outros. Esta parece-me ser uma obra de referência do autor, uma vez que aborda, grosso modo, toda a obra do autor (pelo menos assim pareceu a quem não conhece a sua obra...).

Por outro lado, achei fantástico que este autor (francês), dentro de determinado contexto, apresentar uma referência a um provérbio português (Deus escreve direito por linhas tortas. - pág.92).

Deixo aqui algumas das passagens que achei mais interessantes:

"Talvez a morte seja uma negação absoluta em que «a música terminou»." (pág. 35)

"A existência é a única coisa que não posso comunicar; posso contá-la, mas não posso partilhar a minha existência" (pág. 43)

"É banal dizer que nunca existimos no singular. Estamos rodeados de seres e de coisas com as quais mantemos relações." (pág. 43)

"A política deve, com efeito, poder ser sempre controlada e criticado a partir da ética." (pág. 66)

"O que é especificamente rosto é o que não se reduz a ele." (pág. 69)

"O suícidio deriva do amor ao próximo e da vida verdadeiramente humana." (pág. 102)


Para quem estiver interessado, deixo a referência bibliográfica:

LEVINAS, Emmanuel (2007). Ética e Infinito, Col. "Biblioteca de filosofia contemporânea". Lisboa: Edições 70.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Maceira-Liz


Tive o prazer de explanar os meus conhecimentos acerca de um tipo específico de património cultural (o património industrial) com base numa fábrica bastante conhecida:  a Maceira-Liz. O presente estudo foi realizado no âmbito do seminário de Património e Cultura das Organizações do 2.º Ciclo (antigos mestrados) que me encontro a frequentar na Universidade de Coimbra.

O "desafio" revestiu-se, pelo menos para mim, como algo inovador. Consistia em escolher como objecto de estudo uma instituição que, à partida, nada tinha que ver com património cultural, mas que gerava algum, ainda que de forma involuntária, assim com a cultura empresarial adoptada. Neste âmbito, julgo ter escolhido uma excelente instituição que cabe dentro destes parâmetros: a Maceira-Liz, que à primeira vista, nada liga o seu cimento ao mundo da cultura, revestiu-se para mim como uma enorme surpresa. 

A Maceira-Liz iniciou a sua laboração em 1923, no edifício da foto, com uma só linha de produção. Ao longo da história desta instituição são criadas mais cinco linhas, sempre com a tecnologia mais avançada para a altura, sendo que actualmente apenas se encontram duas delas em laboração. Aliás, na base de em quase 90 anos de existência, ter sempre acompanhado e actualizado a sua produção com os mais modernos meios de fabricação de cimento, torna-se um dos factos que conduz a uma das características do património industrial: a sua efemeridade, ou seja, a sua curta duração no tempo. 

No entanto, para além de todo o património gerado em torno da fábrica de cimento, surgiu também um bairro operário em torno desta, que se pode afirmar que constitui igualmente um precioso testemunho do património desta instituição (tanto mais que é classificado pela própria autarquia como de Valor Municipal). Aqui, para além de casas dos operários, capatazes e engenheiros (que apresentavam características distintas entre si), e igualmente possível encontrar várias valências que contribuíram para que a população da fábrica, dos anos 30 ao 25 de Abril de 74, tivesse um nível de vida muito acima do da maioria da população portuguesa. Falo aqui de escolas, hospital/ posto médico, balneário, restaurante, farmácia, cooperativa de consumo ou até uma pequena capela.  No entanto, existiu sempre um controlo por parte da direcção da fábrica aos operários, de modo a que estes subscrevessem os "bons costumes" do regime do Estado Novo, que na altura vigorava.

Depois da análise da evolução histórica da fábrica, assim como do seu património gerado, abordei a sua própria cultura empresarial. Deste modo, descobri que está a passar, progressivamente, de uma cultura mais fechada, para uma mais aberta. Por outro lado, ao ter criado um museu, a Maceira-Liz está a conservar uma parte do seu património, não só material, mas também imaterial. Sobretudo este é transmitido pelos antigos operários reformados, que actualmente fazem visitas guiadas ao museu. Apontei este facto como sendo a grande força deste espaço, uma vez que mais que os conteúdos, a vivência destes homens naquele espaço faz parte integrante do património da Maceira-Liz.

Por fim, terminei dando algumas sugestões de modos como a Maceira-Liz pode optimizar os seus recursos patrimoniais, com dois eixos: uma valorização económica (por via do turismo industrial) e uma valorização por meio de criação de sentimentos de pertença entre funcionários e empresa.