segunda-feira, 26 de maio de 2014

Moinhos afetos ao Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação

Sendo o pão um dos elementos básicos da alimentação humana, os moinhos, como principal meio de produção de farinha, eram uma importante fonte económica. Assim, não será estranha a sua utilização como objeto de esmolas ao Convento da Serra, atendendo à importância da religião no séc. XVI.

Temos notícia disso ter acontecido a 7 de maio de 1568, quando D. Sebastião faz esmola aos frades do Convento da Serra um moinho que ficava na Ribeira de Muge num local que se designava por “Pontão”. O moinho houvera sido comprado pelo rei a Aires de Sousa Coutinho e sua mulher, D. Filipa da Cunha. Os frades ficavam livres de alugar e reger o moinho à sua vontade, e de lhe tirarem os rendimentos que achassem conveniente. Este alvará é confirmado no reinado de Filipe II, a 15 de fevereiro de 1597. Encontramos registo de dois arrendamentos que cremos ser pertinentes, e que passamos a descrever:

=> A 13 de fevereiro de 1591 perante o tabelião de Santarém compareceu o Padre Frei Sebastião de Pavia, do Convento da Serra, e Domingos Fernandes e Pedro Dias, moleiros, residentes na Ribeira de Pernes. O Convento da Serra alugava a estes um moinho que possuía na Ribeira de Muge, com dois casais de mós alveiras (mó de calcário para farinha de trigo) e dois segundeiros (mó de arenito ou granito, para as restantes farinhas e descasque de arroz), juntamente com as casas e arneiros, pelo período de três anos, a iniciar no dia de S. João Baptista seguinte (24 de junho). O moinho era entregue “despejados livres e desembargados moentes e correntes”, e tinha de ser entregue aos frades nas mesmas condições. Eram igualmente obrigados a manter o açude, sendo até previsto que qualquer quebra neste inferior a dois palmos seria responsabilidade dos moleiros, superior a isso do Convento. O pagamento da renda consistia em 12 moios de pão meado, metade de trigo e cevada, outra metade de mistura. Seria pago um moio por mês, com 30 alqueires de trigo e cevada outros 30 de mistura.

=> Em agosto de 1593, compareceram na casa do tabelião de Muge os Padres Priores Frei António de Sequeira e Frei Diogo Correia e o Moleiro Domingos Fernandes. Os padres, em representação do Convento da Serra, arrendam ao moleiro um moinho que tinham na Ribeira de Muge, com quatro pedras, pelo período de um ano, a começar naquele mesmo dia. O pagamento do arrendamento consistia em 12 moios de pão meado, metade de trigo e metade de segunda, sendo mensalmente pago um moio. Foi apresentado como fiador do arrendamento Simão Dias, morador na Vila de Muge. No final do período de arrendamento era o moleiro obrigado o moleiro a entregar o moinho “sempre novo moente e corrente e com a levada cima”.
  
Em primeiro lugar, torna-se pertinente ver que esta casa conventual, ao contrário do que era comum na época, não aforou os moinhos pelo período de três vidas ou em fatiota perpétuo, mas antes arrendou por um curto período. Em segundo lugar, podemos perguntar-nos se seria o mesmo Domingos Fernandes a arrendar os dois moinhos. Em terceiro lugar, podemos interrogar-nos se os moinhos dos dois arrendamentos são o mesmo, ou são dois diferentes, por um lado, e se por outro, é o mesmo moinho que D. Sebastião lhes houvera feito esmola anos antes.

Apesar de não podermos dar respostas seguras às perguntas que acabamos de formular, cremos que é possível que se trate do mesmo arrendatário, apesar de serem moinhos diferentes. Se repararmos bem, o primeiro arrendamento é feito em Santarém, e temos de ter em conta que os moleiros são de Pernes (e também que os frades tinham dois moinhos - os Moinhos da Sancha - nesta zona, sendo possível que até já lá trabalhassem), assim como o arrendamento terminaria a 24 de junho 1594. Assim, dentro da ótica de ser o mesmo Domingos Fernandes em causa, cremos ser possível construir três cenários hipotéticos diferentes:

1. É possível que o mesmo moleiro decida arrendar um segundo moinho, especialmente se este se encontrasse perto do primeiro.

2. Poderá ter decidido terminar a sua “sociedade” (chamemos-lhe assim) com Pedro Vaz, e alugar um engenho por sua própria conta, deixando este naquele onde tinham começado por trabalhar os dois.

3. Pedro Vaz pode ter abandonado a “sociedade” ou até morrido, e o segundo arrendamento ser apenas o reformular do arrendamento que estava a decorrer, uma vez que ambos iriam terminar em 1594.

Independentemente disto, o segundo arrendamento no tabelião de Muge poderá explicar-se pela maior proximidade geográfica dos moinhos a este lugar, em detrimento de Santarém. Com efeito, é mencionado que os moinhos ficavam na Ribeira de Muge. Tendo em conta que o limite entre os concelhos (ou termos) de Santarém e Muge foi assinalado no reinado de D. Duarte, em 1434 no “Moinho da Regueifeira”, e que ainda hoje existe um moinho no local onde os concelhos de Almeirim e Salvaterra de Magos fazem extrema, assim como de a jusante terem existido dois moinhos, já dentro do então Município de Muge. Deste modo, cremos que o moinho dado por D. Sebastião ao Convento da Serra seria um destes dois. Um deles, construído em 1459 por Gomes Eanes, ficando conhecido como “Moinho do Gomes”, tinha já a jusante o “Moinho de Lançarote”.


Plantas das Terras de Almeirim

Carta Geografica das Montarias da Villa de Santarem

Do séc. XVIII chegaram-nos dois importantes cartogramas, em que aparece representado não só o próprio Convento da Serra, como também os moinhos na ribeira, sendo três a jusante da Raposa. A “Planta das Terras de Almeirim”, sem data certa, denomina esses três engenhos, consecutivamente, como “Moinho do Policarpo”, “Moinho dos Vecos” e “Moinho dos Frades”. Já a “Carta Geográfica das Montarias da Vila de Santarém”, de 1755, denomina-os como “Moinho do Clérigo”, “Moinho dos Frades” e “Moinho dos Frades”.

Na primeira carta, depois do “moinho dos frades”, surgem também duas referências bastante importantes. A primeira, “Caniçais”, que nos permite balizar a localização no curso da ribeira destes engenhos, visto que ainda hoje existe este casal. A segunda é a referência ao Pontão, o que nos leva a poder concluir, sem grande margem para dúvidas, que o moinho de que D. Sebastião fez esmola em 1568 foi precisamente o terceiro, que se encontra mencionado na carta como “Moinho dos Frades”. Na segunda carta, temos dois engenhos com esta designação, o que nos leva a acreditar que serão estes dois moinhos propriedade do Convento da Serra, por terem o mesmo nome. Contudo, o terceiro engenho tem uma designação também religiosa, o que nos leva a poder questionar se não estaria também ligado a esta casa conventual. Não o sabemos, no entanto, sabemos que será vendido em 1830 pelas freiras do Convento das Donas, de Santarém, também Dominicanas. Terão elas chegado à sua posse com trocas ou cedências de bens entre casas da própria ordem?

Já no séc. XIX, encontramos uma referência, em Custódio (2008), que em 1806 os frades hipotecam dois moinhos que possuíam na Ribeira de Muge, que houveram sido doados por D. Sebastião. Todavia, no dia 1 de julho de 1836 vai à praça por 1000$000 uma propriedade deste convento que “consta de um moinho chamado dos Frades, situado na Ribeira de Muge, com três pedras”. Face a este cenário, podemos construir três tipos diferentes de cenários:

1. O Convento da Serra tinha três moinhos na Ribeira de Muge (os dois hipotecados em 1806 e um terceiro, que foi à praça em 1836).

2. A hipoteca foi paga, logo os frades continuaram donos dos moinhos, justificando-se assim a sua posse aquando da extinção das ordens religiosas.

3. É comum referir-se as moegas como “moinhos”, e assim seria apenas um moinho (com duas moegas) que foi hipotecado em 1806, tendo ainda os Frades do Convento da Serra ficado com o outro, que vai à praça em 1836. 

Ainda sobre esta “ida à praça” é interessante notar que o moinho em questão tinha apenas três casais de mós. Assim poderemos questionar se o moinho dos arrendamentos a Domingos Fernandes não seria o mesmo moinho que houvera sido feito em esmola por D. Sebastião (visto que em ambos os arrendamentos são referidas quatro pedras), localizado no Pontão, uma vez que, pela descrição das confrontações feita no documento, parece-nos que se enquadraria mais no segundo do que no terceiro (do Pontão).


Local onde ficava o Moinho do Meio, em abril de 2014.

Com a extinção das ordens monásticas, em 1834, os moinhos acabam por ir parar às mãos de privados, sendo que hoje já nenhum dos dois existe, apesar de ainda subsistir memória de um deles, que desapareceu há não muitos anos. O primeiro dos engenhos, que pertencera ao Convento das Donas, ainda hoje existe e é conhecido como “Moinho de Cima”. O segundo, o “Moinho dos Vecos” e depois “dos Frades”, desaparecido recentemente e que acreditamos ser aquele que foi à praça em 1836, ficou conhecido como o “Moinho do Meio”. Se existe um moinho de Cima e do Meio, terá de haver também um “Moinho de Baixo”, que seria o do pontão, e do qual já ninguém se lembra.  


Bibliografia e outras fontes
(1434). Chancelaria de D. Duarte I, livro 1, folha 924.
(1460). Leitura Nova, livro 5, maço 1001, folha 198.
(1531). Conventos Diversos, livro 32.
(1568). Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, livro 21, fol. 90v.
(1591). Conventos Diversos, volume 60, maço 2, doc. 51.
(1593). Conventos Diversos, volume 60, maço 2, doc. 50.
(1775). Carta Geografica das Montarias da Villa de Santarem.
(1836). “Convento de Nossa Senhora da Serra, da Ordem dos Pregadores, em Almeirim, Comarca de Santarém”, Arrematação perante o Governador Civil do Districto. (pp. 637-638).
(s/d). Plantas da Terra de Almeirim, coleção de plantas, Ministério do Reino, doc. 85.
CUSTÓDIO, Jorge (2008). Almeirim – Cronologia. S/l: Edições Cosmos.
GIL, M.ª Olímpia (1965). “Engenhos de Moagem no séc. XVI (Técnicas e Estruturas)”, Do Tempo e da História.

TOMÉ, Samuel (2012). O Património Molinológico como fator identitário e vetor do desenvolvimento económico: o caso da Ribeira de Muge. Dissertação de Mestrado em Gestão e Programação do Património Cultural apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 

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