domingo, 27 de julho de 2014

O Pórtico do Paço Real da Ribeira de Muge

O Paço Real da Ribeira de Muge, grosso modo, tinha um pátio em torno do qual se formava o complexo residencial, de serviço e a capela. Tinha-se acesso a esse mesmo pátio através de um pórtico, sobre o qual nos deteremos hoje.

Pórtico do paço em 2009.

O pórtico é não mais que um muro rasgado a meio por um vão, em arco rebaixado, emoldurado por uma barra em cantaria, que na ponta do arco se estende, e que hoje está disfarçada pelo facto de todo o muro ter sido caído da mesma cor. Contudo, em tempos, seria bem possível que a pedra estivesse à sua cor natural, criando assim uma diferenciação com o resto do muro. Seria este vão preenchido por um portão, visto que ainda são visíveis os arranques das dobradiças, onde este encaixaria, assim como um buraco, que penetra cerca de um metro na parede, e que provavelmente serviria para encaixar uma tranca.
Pormenor do pórtico – heráldica de D. Manuel I

Do paço que chegou aos nossos dias este é o elemento arquitetónico mais rico, pela própria representativamente artística da época. Com efeito, é encimado o vão pela heráldica do monarca que fundou o espaço: o escudo real e duas esferas armilares. O escudo encontra-se ao centro, emoldurado e coroado. A coroa está bastante danificada, sendo contudo percetível que se trata de uma coroa aberta. O escudo termina em bico, tendo a faixa exterior sete castelos. São visíveis igualmente os besantes das cinco quinas. As esferas armilares são consideravelmente mais pequenas, também emolduradas. Foram quebrados os aros na frente, sendo visível apenas a esfera interior, rodeada por um pequeno aro.

A parte superior é constituída por uma cornija, sob a qual assentaria uma contínua e sistemática fila de merlões decorativos. Destes, sobram apenas seis, sendo visíveis contudo o arranque de alguns deles.

Reconstituição do pórtico.

Aguarela de Maria Nélia Castelo (pormenor).


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domingo, 20 de julho de 2014

Depois da extinção do Convento da Serra

Como referimos aqui, em 1834 o Convento da Serra é extinto. Segundo Andrade (2012), após a extinção das ordens religiosas, os grandes lavradores de Almeirim organizam-se de modo a comprar os bens destas (várias casas conventuais e monásticas de Santarém tinham bens deste lado do Tejo), por forma a poder alargar o seu património. O Convento da Serra acaba por ir parar às mãos dos Condes Sobral, cuja principal propriedade no concelho é ainda hoje o Casal Branco (contudo, também o Casal Monteiro e a Herdade dos Gagos foram posse desta casa).

Na sua obra sobre o concelho de Almeirim entre 1867 e 1879, Bárbara (2013), no estudo populacional, menciona a existência da “Quinta de Nossa Senhora da Serra” em 1871, com 15 fogos e 64 habitantes. Seriam estes habitantes os descentes dos caseiros ou da pequena comunidade a que aludimos aqui? Ou seriam já um incremento do Conde Sobral? A ser assim, verificamos que a esta época, o Convento da Serra já tinha uma dimensão superior ao próprio Casal Branco, que contava com apenas seis fogos e 24 habitantes.

Todavia, o que sabemos, é que este espaço pertencia eclesiasticamente à Paróquia de Marvila, de Santarém. Tal situação não é inédita, verificando-se o mesmo para vários casais do concelho, nomeadamente o próprio Casal Branco, que pertencia à paróquia escalabitana de S. Nicolau.

Bibliografia:
BÁRBARA, Luís (2013). Almeirim, 1867 a 1879 – vida e curiosidades. S/l: Ed. Associação de Defesa do Património Histórico e Cultural do Concelho de Almeirim.

ANDRADE, José J. Lima Monteiro (2012). O Espírito de Almeirim: um desafio. S/l: Ed. Santa Casa da Misericórdia de Almeirim. 


http://embuscadopatrimonio.blogspot.pt/2014/04/500-anos-do-convento-da-serra.html
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sábado, 12 de julho de 2014

A Igreja do Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação

Fotografia aérea da área onde estaria edificado o Convento da Serra.

Como referimos aquinão chegou aos nossos dias vestígio arquitetónico algum do Convento da Serra para além do pórtico de entrada. Da sua igreja, contudo, tivemos conhecimento de alguns relatos de pessoas que ainda conheceram parte da sua estrutura. Sabemos assim que ficaria ao fundo do pátio a que se tinha acesso através do pórtico. Vemos uma zona destacada na fotografia aérea acima, onde não cresce a erva. É normal que tal aconteça num sítio onde houve uma construção, visto que a cal presente nesta anula a capacidade produtiva do solo. Assim, cremos poder afirmar que seria ali que se situaria a igreja do convento. Não sabemos ao certo como era a sua planta. Temos contudo conhecimento que teria um transepto e uma cripta.


Painéis do retábulo do Convento da Serra, a formar um tríptico. Reprodução de um postal da coleção “Almeirim de Boa Memória”.

O retábulo da igreja do Convento da Serra, que mencionamos aqui, que houvera sido mandado fazer por D. Manuel I, ainda existia quando Frei Luís de Sousa escreve a história de S. Domingos, na primeira metade do séc. XVII. Por retábulo podemos considerar um “painel de madeira ou pedra que domina o altar de uma igreja e que é esculpido ou pintado e ricamente decorado”, segundo o Dicionário Informal da Língua Portuguesa. O mesmo retábulo volta a ser mencionado em 1740 por Fr. Inácio da Piedade. Aos nossos dias chegaram apenas três painéis deste retábulo, que estão presentemente no Museu Nacional de Arte Antiga.

Estes três painéis, dos quais dois fazem parte da exposição permanente do referido museu, ao serem agrupados, ficaram conhecidos como o “tríptico dos infantes”, apesar de na verdade estas pinturas não constituírem um tríptico, mas sim serem painéis de um retábulo, cujos restantes desapareceram. Os dois painéis com infantes têm 157cms/67.5cms, sendo pinturas a óleo sobre madeira de carvalho. O Painel da Virgem, é igualmente uma pintura a óleo sobre madeira de carvalho, com a mesma altura de 157 cm, sendo mais largo, com 88cm.

Duas possibilidades de reconstituição do retábulo da Igreja do Convento da Serra. Na primeira, e se não houvesse uma grande moldura entre cada um dos painéis, teria cerca de 7 metros de largura. Já o segundo, inspirado no retábulo do Mosteiro dos Jerónimos, da mesma época, temos os painéis em dois níveis, sendo que o painel central na Virgem, fica plano superior, tendo no plano inferior a cruz e o sacrário, tendo cerca de cinco metros de largura. Em ambos os casos, os painéis são distribuídos com base na idade dos infantes, estando os monarcas, um de cada lado do painel central da Virgem.

Não se sabe ao certo quem foi o autor do retábulo, estando contudo inserido na designada “escola luso-flamenga”, que se caracterizava por ter sumptuosos e exuberantes fundos paisagísticos e motivos naturalistas (Serrão, 2001). Todavia, aventam-se as seguintes hipóteses para os seus autores:

- Frei Carlos, que nas tábuas que lhe são atribuídas, de uma forma transversal, pode considerar-se que as suas principais figuras representadas assumem uma “individualidade psicológica patenteada pelos rostos e a serenidade imagética” (Pereira, 1993: 439)

- Francisco Henriques, cuja produção do seu atelier pode ser definida como “revelando um desenho largo e a instalação de figuras em planos unitários dotados de amplidão espacial.” (idem).

- Mestre da Lourinhã, “que introduziu novas formas de iconografia e modelos plásticos na pintura nacional, até então arcaizante e tradicionalista.” (Serrão, 2001: 401).


Os dois painéis dos infantes, expostos no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

O painel da esquerda retrata o infante D. João, futuro rei D. João III. É o primeiro retrato conhecido do monarca, que à altura teria possivelmente 13 anos. Apresenta-se de joelhos, com os panejamentos debruados a ouro e a surgirem movimento, assim como os de S. João Baptista, que era o seu Santo Padroeiro. De salientar que, por esta época, tinha sido construída a igreja de S. João Baptista em Almeirim.

O painel da direita retrata possivelmente o Infante D. Luís com cerca de nove anos. A figura do infante é acompanhada por um frade dominicano (ordem a que estava consagrado o Convento da Serra), que seria possivelmente o seu patrono.

O painel central retrata a Virgem com o menino ao colo, sentada em majestade. É ladeada por duas figuras angelicais. Segundo Frei Luís de Sousa, a família real, aqui apresentada, orava à virgem, pelo que podemos depreender que este seria o painel principal, ou central, em torno do qual apareceriam todos os outros.


Quadro onde é apresentado o Infante D. Henrique, como pertencente ao Convento da Serra. Reprodução da Revista “Ilustração Portuguesa”.

Por outro lado, encontramos referências a uma outra obra de arte deste Convento. Na edição de 7 de abril de 1923, na revista “Ilustração Portuguesa”, surge o quadro representado acima, que é apontado como aquele que o cardeal-rei D. Henrique mandou fazer para colocar no Altar de Jesus do Convento da Serra, no cruzeiro. O quadro pertencia à época ao Marquês da Foz, que o houvera comprado a um antiquário, que mencionou a sua proveniência da Quinta da Alorna. A partir daqui o autor do referido cria uma série de deduções, de modo a criar a hipótese de se tratar a da referida pintura, aspetos com os quais corrobora Vasconcellos (1924).

Contudo, a nós não nos parece tal possível, visto que Frei Luís de Sousa menciona que o Cardeal D. Henrique se fez representar “de joelhos e bem ao natural”. Pela observação da obra, percebemos que o cardeal não está de joelhos. Por outro lado, se o “ao natural” quiser dizer que é uma representação no tamanho “natural” de D. Henrique, vemos a possibilidade de se tratar da mesma pintura ainda mais inverosímil, visto que esta tem 1/1 metro.


Imagem do Cristo Cruxificado no altar-mor da Igreja de S. João Baptista de Almeirim

Está na Igreja de Almeirim um outro elemento pertencente ao extinto Convento da Serra. A imagem de Cristo Cruxificado desta igreja, elemento fundamental em todos os templos católicos romanos, esteve originalmente no convento dominicano, sendo conhecido como “Senhor da Serra”. É uma imagem policromada, com as chagas em relevo e várias feridas no corpo, nomeadamente nos joelhos, face, ombros e anca. Os músculos do corpo de Cristo estão altamente desenvolvidos. Está coroado com uma coroa de espinhos, em lhe verte igualmente algum sangue para a cara.


Pia decorativa que pertenceu ao Convento da Serra, atualmente no Museu Municipal de Almeirim.
  
Por fim, estão presentes ainda no Museu Municipal de Almeirim dois elementos escultóricos provenientes do Convento da Serra, e com uma forte probabilidade de pertencerem à igreja. Uma pia, que não seria a pia batismal, visto que essas por regra são redondas. Seria uma pia situada à entrada da igreja? (como é comum em algumas igrejas). O seu último friso não a contorna totalmente, estando ausente de uma das faces, pelo que é possível que estivesse agarrada a uma parede por esse lado.



Duas mísulas em cantaria, provenientes do Convento da Serra de Almeirim, atualmente expostas no Museu Municipal.

Encontramos ainda aqui duas mísulas, recolhidas em 1999 pelo arquiteto Elias Rodrigues, aquando da organização de uma exposição à época na biblioteca municipal, designada ”Dos Paços Reais à Cidade”. São duas peças de cantaria, em que se notam duas partes distintas: uma em que a pedra não está trabalhada, que estaria possivelmente entalhada na parede, e uma outra trabalhada. O vértice inferior (nas fotos as peças estão ao contrário) é decorado com motivos vegetalistas. A mísula em si assume uma forma piramidal, com os lados de diferentes tamanhos. Quando às funções, poderão ter sido o suporte de uma abóbada, e sendo assim as pedras de abóbadas diferentes, visto não serem iguais. Uma vez que a parte que se encontra virada para o chão é totalmente lisa, podem também estas ter sido bases de imagens de santos, espalhadas pela igreja.

Bibliografia e outras fontes:
(s/d). “O Príncipe D. João e São João Baptista” – Matriz.Net. (ficha de inventário).
(s/d). “O Príncipe D. Luís (?) e um santo Dominicano” – Matriz.Net. (ficha de inventário).
FARINHA, Santos (1923). “Retrato do Cardeal-Rei D. Henrique”, Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 894, de 7-4-1923.
PEREIRA, Paulo (1993). “A conjuntura artística e as mudanças de gosto” in: MATTOSO, José, História de Portugal, 3.º vol. S/l: Círculo de Leitores. (pp. 422-467)
RODRIGUES, Elias (2006). “Convento da Serra de Almeirim: Lugar Sagrado e Patrimonial”, O Almeirinense (ed. de 1 de junho de 2006).
SERRÃO, Joaquim Veríssimo (2001). História de Portugal, 3.º vol, 3.ª edição. S/l: Edições Verbo.
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama.

VASCONCELLOS, Frazão de (1924). “A Sepultura de Fernão Soares, pagem do livro del-rei Dom João III existente no Convento de Almeirim”, separata da publicação Arqueologia e História. Lisboa: Tipografia do Comércio.

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