sexta-feira, 30 de maio de 2014

Extinção do Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação e 180 da sua extinção

A 30 de maio de 1834, é promulgado um decreto que extingue “todos os Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospícios, e quaesquer Casas Religiosas de todas as Ordens Regulares, seja qual for a sua denominação, instituto ou regra”. Assinalam-se hoje precisamente 180 anos deste dia. 

Os bens seriam incorporados na fazenda nacional, com exceção dos vasos sagrados e paramentos, que deviam ser dados às dioceses e distribuídos pelas igrejas mais necessitadas.

É assim que desaparece o Convento de Nossa Senhora da Serra da Ordem dos Pregadores. Aquando da extinção, a igreja encontrava-se em ruínas. Não sabemos o estado do restante convento. Os seus bens praticamente desapareceram, subsistindo apenas aqueles que aqui referimos ao longo das publicações sobre este tema. 



Pórtico do Convento da Serra. Último vestígio arquitectónico que subsiste no local. 

No local já nada resta, para além do pórtico de entrada, com um arco de volta perfeita encimado por um escudo real, cuja ponta assenta da chave do arco. Por cima deste escudo tem ainda um nicho, destinado a albergar uma imagem, que hoje contém uma não original. O local hoje é uma quinta de exploração agrícola. Seria interessante a preservação sobretudo da sua memória, pela importância histórica que encerra.

Bibliografia:
(s/d). “O Príncipe D. João e São João Baptista” – Matriz.Net. (ficha de inventário).

SERRÃO, Joaquim Veríssimo (2003). História de Portugal, 8.º vol, 2.ª edição. S/l: Edições Verbo.



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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Moinhos afetos ao Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação

Sendo o pão um dos elementos básicos da alimentação humana, os moinhos, como principal meio de produção de farinha, eram uma importante fonte económica. Assim, não será estranha a sua utilização como objeto de esmolas ao Convento da Serra, atendendo à importância da religião no séc. XVI.

Temos notícia disso ter acontecido a 7 de maio de 1568, quando D. Sebastião faz esmola aos frades do Convento da Serra um moinho que ficava na Ribeira de Muge num local que se designava por “Pontão”. O moinho houvera sido comprado pelo rei a Aires de Sousa Coutinho e sua mulher, D. Filipa da Cunha. Os frades ficavam livres de alugar e reger o moinho à sua vontade, e de lhe tirarem os rendimentos que achassem conveniente. Este alvará é confirmado no reinado de Filipe II, a 15 de fevereiro de 1597. Encontramos registo de dois arrendamentos que cremos ser pertinentes, e que passamos a descrever:

=> A 13 de fevereiro de 1591 perante o tabelião de Santarém compareceu o Padre Frei Sebastião de Pavia, do Convento da Serra, e Domingos Fernandes e Pedro Dias, moleiros, residentes na Ribeira de Pernes. O Convento da Serra alugava a estes um moinho que possuía na Ribeira de Muge, com dois casais de mós alveiras (mó de calcário para farinha de trigo) e dois segundeiros (mó de arenito ou granito, para as restantes farinhas e descasque de arroz), juntamente com as casas e arneiros, pelo período de três anos, a iniciar no dia de S. João Baptista seguinte (24 de junho). O moinho era entregue “despejados livres e desembargados moentes e correntes”, e tinha de ser entregue aos frades nas mesmas condições. Eram igualmente obrigados a manter o açude, sendo até previsto que qualquer quebra neste inferior a dois palmos seria responsabilidade dos moleiros, superior a isso do Convento. O pagamento da renda consistia em 12 moios de pão meado, metade de trigo e cevada, outra metade de mistura. Seria pago um moio por mês, com 30 alqueires de trigo e cevada outros 30 de mistura.

=> Em agosto de 1593, compareceram na casa do tabelião de Muge os Padres Priores Frei António de Sequeira e Frei Diogo Correia e o Moleiro Domingos Fernandes. Os padres, em representação do Convento da Serra, arrendam ao moleiro um moinho que tinham na Ribeira de Muge, com quatro pedras, pelo período de um ano, a começar naquele mesmo dia. O pagamento do arrendamento consistia em 12 moios de pão meado, metade de trigo e metade de segunda, sendo mensalmente pago um moio. Foi apresentado como fiador do arrendamento Simão Dias, morador na Vila de Muge. No final do período de arrendamento era o moleiro obrigado o moleiro a entregar o moinho “sempre novo moente e corrente e com a levada cima”.
  
Em primeiro lugar, torna-se pertinente ver que esta casa conventual, ao contrário do que era comum na época, não aforou os moinhos pelo período de três vidas ou em fatiota perpétuo, mas antes arrendou por um curto período. Em segundo lugar, podemos perguntar-nos se seria o mesmo Domingos Fernandes a arrendar os dois moinhos. Em terceiro lugar, podemos interrogar-nos se os moinhos dos dois arrendamentos são o mesmo, ou são dois diferentes, por um lado, e se por outro, é o mesmo moinho que D. Sebastião lhes houvera feito esmola anos antes.

Apesar de não podermos dar respostas seguras às perguntas que acabamos de formular, cremos que é possível que se trate do mesmo arrendatário, apesar de serem moinhos diferentes. Se repararmos bem, o primeiro arrendamento é feito em Santarém, e temos de ter em conta que os moleiros são de Pernes (e também que os frades tinham dois moinhos - os Moinhos da Sancha - nesta zona, sendo possível que até já lá trabalhassem), assim como o arrendamento terminaria a 24 de junho 1594. Assim, dentro da ótica de ser o mesmo Domingos Fernandes em causa, cremos ser possível construir três cenários hipotéticos diferentes:

1. É possível que o mesmo moleiro decida arrendar um segundo moinho, especialmente se este se encontrasse perto do primeiro.

2. Poderá ter decidido terminar a sua “sociedade” (chamemos-lhe assim) com Pedro Vaz, e alugar um engenho por sua própria conta, deixando este naquele onde tinham começado por trabalhar os dois.

3. Pedro Vaz pode ter abandonado a “sociedade” ou até morrido, e o segundo arrendamento ser apenas o reformular do arrendamento que estava a decorrer, uma vez que ambos iriam terminar em 1594.

Independentemente disto, o segundo arrendamento no tabelião de Muge poderá explicar-se pela maior proximidade geográfica dos moinhos a este lugar, em detrimento de Santarém. Com efeito, é mencionado que os moinhos ficavam na Ribeira de Muge. Tendo em conta que o limite entre os concelhos (ou termos) de Santarém e Muge foi assinalado no reinado de D. Duarte, em 1434 no “Moinho da Regueifeira”, e que ainda hoje existe um moinho no local onde os concelhos de Almeirim e Salvaterra de Magos fazem extrema, assim como de a jusante terem existido dois moinhos, já dentro do então Município de Muge. Deste modo, cremos que o moinho dado por D. Sebastião ao Convento da Serra seria um destes dois. Um deles, construído em 1459 por Gomes Eanes, ficando conhecido como “Moinho do Gomes”, tinha já a jusante o “Moinho de Lançarote”.


Plantas das Terras de Almeirim

Carta Geografica das Montarias da Villa de Santarem

Do séc. XVIII chegaram-nos dois importantes cartogramas, em que aparece representado não só o próprio Convento da Serra, como também os moinhos na ribeira, sendo três a jusante da Raposa. A “Planta das Terras de Almeirim”, sem data certa, denomina esses três engenhos, consecutivamente, como “Moinho do Policarpo”, “Moinho dos Vecos” e “Moinho dos Frades”. Já a “Carta Geográfica das Montarias da Vila de Santarém”, de 1755, denomina-os como “Moinho do Clérigo”, “Moinho dos Frades” e “Moinho dos Frades”.

Na primeira carta, depois do “moinho dos frades”, surgem também duas referências bastante importantes. A primeira, “Caniçais”, que nos permite balizar a localização no curso da ribeira destes engenhos, visto que ainda hoje existe este casal. A segunda é a referência ao Pontão, o que nos leva a poder concluir, sem grande margem para dúvidas, que o moinho de que D. Sebastião fez esmola em 1568 foi precisamente o terceiro, que se encontra mencionado na carta como “Moinho dos Frades”. Na segunda carta, temos dois engenhos com esta designação, o que nos leva a acreditar que serão estes dois moinhos propriedade do Convento da Serra, por terem o mesmo nome. Contudo, o terceiro engenho tem uma designação também religiosa, o que nos leva a poder questionar se não estaria também ligado a esta casa conventual. Não o sabemos, no entanto, sabemos que será vendido em 1830 pelas freiras do Convento das Donas, de Santarém, também Dominicanas. Terão elas chegado à sua posse com trocas ou cedências de bens entre casas da própria ordem?

Já no séc. XIX, encontramos uma referência, em Custódio (2008), que em 1806 os frades hipotecam dois moinhos que possuíam na Ribeira de Muge, que houveram sido doados por D. Sebastião. Todavia, no dia 1 de julho de 1836 vai à praça por 1000$000 uma propriedade deste convento que “consta de um moinho chamado dos Frades, situado na Ribeira de Muge, com três pedras”. Face a este cenário, podemos construir três tipos diferentes de cenários:

1. O Convento da Serra tinha três moinhos na Ribeira de Muge (os dois hipotecados em 1806 e um terceiro, que foi à praça em 1836).

2. A hipoteca foi paga, logo os frades continuaram donos dos moinhos, justificando-se assim a sua posse aquando da extinção das ordens religiosas.

3. É comum referir-se as moegas como “moinhos”, e assim seria apenas um moinho (com duas moegas) que foi hipotecado em 1806, tendo ainda os Frades do Convento da Serra ficado com o outro, que vai à praça em 1836. 

Ainda sobre esta “ida à praça” é interessante notar que o moinho em questão tinha apenas três casais de mós. Assim poderemos questionar se o moinho dos arrendamentos a Domingos Fernandes não seria o mesmo moinho que houvera sido feito em esmola por D. Sebastião (visto que em ambos os arrendamentos são referidas quatro pedras), localizado no Pontão, uma vez que, pela descrição das confrontações feita no documento, parece-nos que se enquadraria mais no segundo do que no terceiro (do Pontão).


Local onde ficava o Moinho do Meio, em abril de 2014.

Com a extinção das ordens monásticas, em 1834, os moinhos acabam por ir parar às mãos de privados, sendo que hoje já nenhum dos dois existe, apesar de ainda subsistir memória de um deles, que desapareceu há não muitos anos. O primeiro dos engenhos, que pertencera ao Convento das Donas, ainda hoje existe e é conhecido como “Moinho de Cima”. O segundo, o “Moinho dos Vecos” e depois “dos Frades”, desaparecido recentemente e que acreditamos ser aquele que foi à praça em 1836, ficou conhecido como o “Moinho do Meio”. Se existe um moinho de Cima e do Meio, terá de haver também um “Moinho de Baixo”, que seria o do pontão, e do qual já ninguém se lembra.  


Bibliografia e outras fontes
(1434). Chancelaria de D. Duarte I, livro 1, folha 924.
(1460). Leitura Nova, livro 5, maço 1001, folha 198.
(1531). Conventos Diversos, livro 32.
(1568). Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, livro 21, fol. 90v.
(1591). Conventos Diversos, volume 60, maço 2, doc. 51.
(1593). Conventos Diversos, volume 60, maço 2, doc. 50.
(1775). Carta Geografica das Montarias da Villa de Santarem.
(1836). “Convento de Nossa Senhora da Serra, da Ordem dos Pregadores, em Almeirim, Comarca de Santarém”, Arrematação perante o Governador Civil do Districto. (pp. 637-638).
(s/d). Plantas da Terra de Almeirim, coleção de plantas, Ministério do Reino, doc. 85.
CUSTÓDIO, Jorge (2008). Almeirim – Cronologia. S/l: Edições Cosmos.
GIL, M.ª Olímpia (1965). “Engenhos de Moagem no séc. XVI (Técnicas e Estruturas)”, Do Tempo e da História.

TOMÉ, Samuel (2012). O Património Molinológico como fator identitário e vetor do desenvolvimento económico: o caso da Ribeira de Muge. Dissertação de Mestrado em Gestão e Programação do Património Cultural apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 

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quarta-feira, 21 de maio de 2014

A relação entre o Convento da Serra e o Paço Real da Ribeira de Muge – nos 500 anos da fundação de ambas as casas

Tendo presente que neste ano de 2014 se comemoram os 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge, se assinalam os 500 anos da fundação do Convento da Serra, neste mês de maio daremos destaque às relações entre o Paço Real da Ribeira de Muge e o Convento de Nossa Senhora da Serra da Ordem de S. Domingos.

O mais antigo documento que temos conhecimento sobre esta relação data ainda do séc. XVI, cerca de 40 anos depois da fundação de ambas as casas. Com efeito, a 2 de setembro de 1551 António Valente, religioso no Convento da Serra, é nomeado capelão da capela do paço. No entanto, este foi nomeado em substituição de Frei Pedro de Mora, da mesma casa monástica, o que nos leva a concluir que os frades estiveram ligados ao Paço Real da Ribeira de Muge desde muito cedo ou até é possível que tenham sido eles sempre os responsáveis pela capela deste.

Mapa da zona da Ribeira de Muge, com ambas as casas assinaladas. À esquerda o Convento da Serra a azul, e à direita o Paço Real da Ribeira de Muge a vermelho.
(Fonte: IGP - Adaptado)

Todavia, a Capela do Paço Real da Ribeira de Muge apenas é entregue, por alvará, à Ordem de S. Domingos do Convento da Serra em 1560. Seria que a partir daqui um frade deixava de ser nomeado para capelão, passando simplesmente o encargo diretamente para alçada dos frades?

Um alvará de 13 de junho de 1658 menciona que se faz mercê ao Convento da Serra de 25$000 réis para a compra de um macho para que os frades pudessem ir daqui “aos Paços de Muja” dizer missa nos domingos e dias Santos. Sempre que o macho morresse, seriam dados outros 25$000 para compra de outro. Temos registos de tal ter acontecido a 20 de dezembro de 1779, mais de cem anos depois do primeiro documento, o que espelha a relação contínua entre estes dois locais. Já no do final do séc. XVII existem registos que menciona que seria dado ao convento dois moios de cevada, todos os anos, para alimentação do macho, pelo período de 11 anos (entre 1689 e 1699).


Capela do Paço Real da Ribeira de Muge, dedicada a S. João Baptista. Foto de 2005.

Pelos mesmos onze anos, encontramos referências a seis mil reais para as missas na capela do paço, que recebia o Convento da Serra do almoxarifado de Santarém. Após a saída do paço da posse da coroa (em 1790), temos ainda notícia das seguintes menções do início do séc. XIX a ligar os locais em questão, em que foram aludidas as seguintes despesas com a capela do paço:

=> Anos de 1808 e 1809: 12$000 pelo “guisamento” (vinho e alfaias religiosas) da capela.

=> Março de 1826: um “brinde” de $400 reais para o almoxarife de Almeirim passar as certidões da referida capela. 

=> Dezembro de 1826: lembrança de uma despesa de 4$000 reais para o almoxarife passar as certidões da capela.

=> Maio de 1828: pagou o almoxarife da Capela do Paço $060 reais para o novo selo de testação.

=> Junho de 1828: $480 réis para pagamento de uma mulher para varrer a capela.

=> Fevereiro de 1829: despesa sobre uma capa de oleado para levar à capela do Paço.

=> Maio de 1832: $080 reis para que fossem reconhecidos dos atestados pelo Almoxarife do Paço.

Face a todas estas menções, podemos afirmar que foram os frades do Convento da Serra sempre os responsáveis pelos serviços religiosos no Paço Real da Ribeira de Muge. Com efeito, nem com a saída do paço da Fazenda Real, passando para a posse dos Condes da Atalaia esta relação esmoreceu. Face ao ano do último registo – 1832 – podemos supor com uma margem relativamente grande que esta relação apenas terminou com a extinção das ordens religiosas, em 1834, dois anos depois.


Extrato do primeiro mapa de Portugal, na zona da Ribeira de Muge e Rio Tejo, da autoria de Álvaro Seco. (Fonte: BNP Online)

A relação estabelecida entre o Paço Real da Ribeira de Muge e o Convento da Serra é de tal importância que este chega a ser designado por “Paços da Serra”. Com efeito, encontramos essa referência, por exemplo, no documento de nomeação de Duarte Peixoto como almoxarife do paço. Torna-se igualmente interessante de observar que, no primeiro mapa de Portugal, realizado em 1561 por Fernando Álvares Seco, assinala um local grafado como “Paços da Serra”. A sua localização no mapa parece-nos mais coincidente com o convento do que com o paço, pelo que não poderemos afirmar com certeza o que é que o autor pretendeu assinalar aqui, no entanto, conseguimos perceber assim já a forte relação entre estes dois locais, logo no séc. XVI.

No entanto, está de tal forma entrançada a história destes dois locais, que ainda hoje, na memória das pessoas, há quem designe o espaço do paço como “O Convento dos Frades”, assim como chame ao moinho aí existente “O Moinho dos Frades” ou a “Azenha dos Frades”. Apesar de ambos os dados estarem historicamente errados, uma vez que neste espaço não temos notícia alguma de ter funcionado uma casa conventual, assim como o moinho que aqui existe ter apenas cem anos, logo nunca poderia ter pertencido a ordem alguma, verificamos que ficou sobretudo a memória da associação de este espaço aos frades.

Bibliografia e outras fontes:
CUSTÓDIO, Jorge (2008). Almeirim – Cronologia. S/l: Edições Cosmos.

EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.

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domingo, 18 de maio de 2014

O Convento da Serra ao tempo de Frei Luís de Sousa – nos 500 anos da sua fundação

Manuel de Sousa Coutinho, imortalizado por Almeida Garrett no texto dramático “Frei Luís de Sousa”, nome que adotou após ingressar na Ordem de S. Domingos, é o autor da “História de Ordem de S. Domingos”. Escrita na primeira metade do séc. XVII, na terceira parte desta é abordada a fundação do Convento de Nossa Senhora da Serra, como convento pertencente a esta ordem monástica. Frei Luís de Sousa escreve em 1623.

Apesar de ser um texto com um cariz sobretudo historiográfico, Frei Luís de Sousa faz várias pontes com a altura em que o produz, o que nos faz ter uma ideia como seria o convento no início do século XVII. Assim, sabemos que era, à data da produção do documento, uma “casa célebre em religião, e devoção do povo, em devoção dos reis, e em amor de toda a nobreza do reino” (Sousa, 1866: 483).


Fotografia do ator Alves da Cunha interpretando Manuel de Sousa Coutinho, posteriormente Frei Luís de Sousa, na peça com o mesmo nome, de Almeida Garrett (1943). Autor desconhecido. (Fonte: Matriz.Net)

Sabendo que ao longo dos tempos foram concedidas graças a vários fiéis de Nossa Senhora da Serra, sabemos igualmente que já não existia memória, na altura da escrita, dos milagres que tenham sido feitos pela Senhora da Serra, com exceção de um. Francisco Pires, um lavrador conhecido como “O Gago”, tinha ficado cego, e encomendou-se a Nossa Senhora da Serra, que lhe concedeu a graça de voltar a ver. Este, como agradecimento, deixou em testamento ao convento o que tinha (que era uma vinha), e que naquela época os frades ainda tinham.

Para além disto, a renda em cruzados que houvera sido concedida por D. Filipe (ver aqui) ainda era recebida pelos religiosos à época em que Frei Luís de Sousa escreve.

Bibliografia:
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama. 

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quarta-feira, 14 de maio de 2014

O Convento da Serra ao longo do séc. XVI – nos 500 anos da sua fundação

Uma vez que Frei Luís de Sousa escreve na primeira metade do séc. XVII, conseguimos acompanhar a história deste lugar ao longo de todo o séc. XVI. Foram extremamente ligados a ela os monarcas no final da segunda dinastia, assim como o próprio Filipe II.


Pintura de D. João III, por Francisco Holanda (c. 1535). Mosteiro dos Jerónimos.

Com a conclusão do convento, e ainda como infante, o futuro D. João III concedeu-lhe uma renda cómoda para viverem os frades. Sob a dada por seu pai, aumentou-a depois de subir ao trono, sendo vinte frades sustentados por esta. Igualmente já enquanto rei, D. João III mandou adossar ao convento uma pequena casa de campo para si, para aí poder estar comodamente no Convento da Serra quando a corte estanciava em Almeirim.

Quanto ao Cardeal Rei D. Henrique, sabemos pela pena do próprio Frei Luís de Sousa que “a mesma afeição mostrou sempre a esta Casa o Cardeal Dom Henrique, seu irmão [de D. João III], que depois foi último rei deste reino. Achava-se tão bem disposto nela, que afirmava que era o sítio muito conforme à sua natureza e complexão” (Sousa, 1866: 488). Com efeito, o cardeal, para além de estar retratado com os seus pais e irmão em idade pueril (ou seja, com cerca de 4 anos), mandou ainda colocar um retrato seu em adulto no retábulo “diante do crucifixo do Altar de Jesus” (idem), de joelhos e em tamanho natural. Ofereceu ainda o Cardeal D. Henrique ao Convento da Serra uma cruz de prata dourada, incrustada com uma relíquia do Santo Lenho.


Pintura do Cardeal-Rei D. Henrique. Sala dos Capelos, Universidade de Coimbra

Frei Luís de Sousa não nos relata os episódios ou doações entre D. Sebastião e o Convento da Serra, apesar de este ter sido o monarca que mais tempo estanciou em Almeirim. No entanto, e já sobre ordem de D. Filipe, o corpo de D. Sebastião é resgatado do norte de África, para ser sepultado no Mosteiro dos Jerónimos. Contudo, antes de chegar ao seu destino, é velado no Convento da Serra, e Frei Luís de Sousa faz-nos a descrição desse velório:

acudirão os frades a receber feito cinza, quem poucos anes antes agasalhavam vivo, são, e alegre; então com festa e cantos de gosto; agora com vozes funerárias. Tal foi o abalo, que esta consideração fez em todos (eram dezassete os que se acharam no convento) que não ouve nenhum a quem cortasse o coração, e do centro dele arrancasse descontroladas lágrimas. Era presente Dom Afonso de Castelo Branco, Bispo do Algarve (depois foi de Coimbra) que governava esta companhia com muitos fidalgos, que cobertos de tristeza o acompanhavam; e os mais deles se lembravam que o tinham acompanhado, e trazido ali mesmo muitas vezes com grande gosto, e trajos de alegria; caíram na razão, que aos frades obrigava; renovasse em cada um a chaga própria, foi pranto geral” (Sousa, 1866: 488-489)


D. Sebastião, por Cristõvão Morais (1571-1574). Museu Nacional de Arte Antiga. (Fonte: Matriz.Net)

Quando sobe ao trono português, D. Filipe também mostra uma afeição por esta casa conventual, chegando a referir-se a ela como “un mostesterillo de Domínicos, bonito auque pequeño, que se llama Nuestra Señora da Sera”. Com efeito, foi aqui que decidiu aguardar três dias pela chegada da sua irmã, viúva do imperador Maximiano da Alemanha, que vinha ao seu encontro pelo caminho de Coruche.

Sobre este período passado no convento, numa carta escrita a 7 de maio de 1582 em Almeirim, diz-nos o próprio Filipe II:

Y asi m’estuve el jeuves em el monasterio; y el dia que vine de alli se mataram cinco puercos, aunque yo no vi matar sino el uno, y dos llevó Caranda a my sobrinho, que los dió á my hermana, digo quatro puercos y un ciervo, que me troxeron entónces, qu’estava bien gordo, porque dormió my hermana, el jeuves á la noche, quatro leguas del monasterio donde yo estava”.


D. Filipe II, de Ticiano Vecellio (1551). Museu do Prado.

Daqui, seguiram ambos para Salvaterra, onde embarcaram, em direção a Lisboa. D. Filipe ficou de tal forma bem impressionado com o convento, que anos mais tarde, em Madrid, o monarca houvera falado deste a dois portugueses (Mestre Frei João de Valadares e o Duque de Aveiro) em diferentes alturas. Contava o rei um episódio do convento de uma sexta-feira, em que não se poderia comer carne, que faltou o pescado, e de como se resolveu a situação. Terá sido de tal forma bem recebido aqui, ou talvez tenha ficado fortemente encantado ou devoto da Sr.ª da Serra, que lhe fez lembrança de cento e cinquenta cruzados de renda. Esta era-lhe paga na casa e rendas dos cónegos regulares de Santa Cruz de Coimbra. 
  
Bibliografia:
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama.
VASCONCELLOS, Frazão de (1924). “A Sepultura de Fernão Soares, pagem do livro del-rei Dom João III existente no Convento de Almeirim”, separata da publicação Arqueologia e História. Lisboa: Tipografia do Comércio.

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sábado, 10 de maio de 2014

500 anos da fundação do Convento de Nossa Senhora da Serra de Almeirim da Ordem dos Pregadores

Quando falamos da fundação desta casa conventual, referimos que esta teve origem num desejo do príncipe herdeiro D. João, futuro D. João III, aquando de uma visita à Ermida de Nossa Senhora da Serra com seu pai, como referimos aqui.

Frei Luís de Sousa refere que o príncipe não teria mais de onze anos. Atendo a que este nasceu em 1502, esta visita terá ocorrido, no máximo, até aos primeiros meses de 1514. Sabendo que o infante pede ao papa indulgências para quem ajudasse nas obras do convento, e que a bula papal que o autoriza data de 10 de maio de 1514, podemos utilizar esta data como a data de fundação do dito convento. Contudo, sabemos que a ideia germinou antes, e que a este dia, possivelmente, até já se teria iniciado a construção.


Pintura de Leão X, acompanhado por dois cardeais, de Rafael Sanzio (c. 1517/18). Galleria degli Uffizi, Florença.

Abaixo segue a transcrição, em latim, deste importante documento.

Leo Papa Decimus universis Christi fidelibus praesentes literas inspecturis salutem, & Apostolicam benedictionem. Loca sanctorum omnium, praesertim sub Beatae Mariae Virginis Dei genitricis inuocatione instituta, pia sunt fidelium denotione celebranda; ut ipsam Dei genitricem honorantes in terris, nos amabiles Deo reddat, et illius nobis quodammodo patrocinium vendicantes apud ipsum, quod nostra merita non obtinent, ejus mereamur intercessionibus obtinere. Cum itaque, sicut accepimus, delectus filius nobilis vir Joannes Princeps Portugalliae charissimi in Christo filij nostri Emmanuelis Portugalliae, et Algarbiorum Regis illustris natus, zelo deuotionis accensus, ac cupiens Deo ejusque genitrici Uirgini Mariae primitias offerre, in quodam ejusdem Beatae Mariae Uirginis sacello, de serra nuncupato, Vlixbonensis Diaecesis, magnae quidem deuotionis, ac peregrinorum eó confluentium frequentia percelebri, quandam domum pro perpetuis usu, et habitatione Fratrum Ordinis Praedicatorum regularis obseruantiae amplo aedificio omni opera, et impendio construi, et aedificari fecerit, illamque pro eorundem Fratrum sustentatione, reditibus satis competentibus ditauerit: Nos cupientes, ut in dicta domo Dei deuotio, et loci celebritas frequentiori Christi fidelibus concursu magis augeatur, nec non Chisti ipsi libentius deuotionis causa ad domus hujusmodi ampliationem, construetionem, manutentionem, conseruationem, et reparationem, nec non Fratrum ejusdem sustentationem, manus promptius porrigant adiutrices, quo ex hoc ibidem dono caelestis gratiae vberius conspexerint se refertos: de Omnipotentis Dei misericordia, ac beatorum Petri, et Pauli Apostolorum ejus authoritate confisi omnibus, et singulis Christi fidelibus vere paenitentibus, et confessis, qui ecclesiam dictae domus in Epiphaniae Domini, Purificationis, Annuntiatiounis, Assumptionis, atque Natiuitatis Beatae Virginis festiuitatum diebus, à primis vesperis, vsque ad occasum Solis sequentium dierum dictarum festiuitatum respectiue deuoté visitauerint, et ad constructionem, et reparationem, nec non sustentationem praedictas, manus porrexerint adjutrices, quinquaginta annos, et totidem quadragenas de injunctis eis paenitentijs misericorditer in Domino relaxamus, praesentibus perpetuis futuris temporibus duraturis. Uolumus autem quod, si visitantibus dictam Ecclesiam, et ad praemissa manus porrigentibus adjutrices, aut aliás inibi, aliqua alia in perpetuum, vel ad certum tempus nondum elapsum duratura, per nos concessa fuerit indulgentia, praesentes literae nullius sint roboris, vel momenti. Datum Romae apud Sanctum Petrum sub annulo Piscatoris die X.Maij.M.D.XIIII. Pontificatis nostri anno secundo.

Bibliografia:

SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama. 


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segunda-feira, 5 de maio de 2014

Origem do Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação

Segundo Frei Luís de Sousa, o Convento da Serra é fundado em 1501 a partir de uma “pobre ermida, situada no meio de uma charneca erma” (Sousa, 1866: 484-485). A origem desta é lendária, como falamos aqui

Ao ser visitada esta ermida por D. João II, este manda faze-la de novo, num sítio onde o acesso fosse mais facilitado aos devotos, visto que o monte era alto e trabalhoso de subir. No entanto, o monarca morre antes de conseguir concretizar esta ideia. Contudo, deixa-a expressa no seu testamento, sendo que D. Manuel I, seu cunhado e primo, que lhe sucedeu no trono, tratará de a mandar edificar.


Gravura de D. João II, de autor desconhecido (1725). Museu da Guarda (Fonte: Matriz.Net)

D. João II houvera recomendado que fosse edificada esta nova ermida junto de uma determinada fonte e que tivesse acomodação para um ermitão. Tendo sido o monarca informado que ali tinham acontecido alguns milagres, por veneração da imagem, fez esmola da capela à Ordem de S. Domingos, em 1501, com a condição de aí fazerem uma missa diária e manter continuamente três sacerdotes. D. Manuel I, para além de mandar fazer a casa, tratou ainda de a decorar ao gosto da época. Com efeito, já em 1498 Pantelão Dias houvera sido nomeado pintor da Ermida. A 27 de novembro 1514 é transportado para o aqui um relógio pelo pintor Jorge Afonso, possivelmente ornamentado por este. Para além disso, mandou o monarca executar um retábulo, entre 1515 e 1518, onde se retratava com a rainha D. Maria e os seus filhos, que ainda à época em que Frei Luís de Sousa escreve ainda durava.

Aquando de uma das suas visitas à ermida, o príncipe – infante D. João (futuro D. João III), pede ao monarca e seu pai que aí pudesse edificar um mosteiro à Ordem de S. Domingos, pedido a que o monarca prontamente acedeu. Durante a construção do convento, o infante D. João pediu ao embaixador do rei em Roma algumas graças para os que visitavam o local, ajudassem no edifício ou os frades com esmolas. Assim, o Papa Leão X “no que tocava ao espiritual de indulgencias, procedia com tanta estreiteza, que lhe não deu mais que cinquenta anos, e outras tantas quarenta de perdão: e isto somente em quatro festas da Senhora, que são Purificação, Anunciação, Assunção, e Nascimento: e na Epifania, precedendo confissão, e esmolla para o convento nos que as ouverem de ganhar” (Sousa, 1866: 486).


Peça escultórica com o Brasão da Ordem de S. Domingos (1871). Autor desconhecido. (Fonte: Martiz.Net)

Ao ser construído o convento, mais que uma casa monástica, este tinha igualmente como objetivo dar aos nobres e reis guarida aquando das caçadas, com aposentos que Frei Luís de Sousa descreve como “casas recolhidas e bom fogo nas chaminés”. O convento tinha uma cerca, horta e nora. A fonte que D. João II mencionara houvera secado, e os frades andavam a ir à água ao Tejo, em talhas de barro. A nora servia para regar a horta, de decoração e fonte artificial, porque a sua água era salobra e não se podia beber.

Custódio (2008) menciona que o Convento da Serra é fundado em 1520, a partir da ampliação da ermida ali existente. Cremos que esta será a data de conclusão da obra ou de dedicação/ sacralização do convento.


Bibliografia:
CUSTÓDIO, Jorge (2008). Almeirim – Cronologia. S/l: Edições Cosmos.
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama. 


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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Lenda de Nossa Senhora da Serra – nos 500 anos da fundação do Convento da Serra

Ilustração de Fernando Veríssimo, no "Cântico à Minha Terra", de Francisco Henriques, sobre a Lenda de Nossa Senhora da Serra.

A origem do espaço que hoje conhecemos como “Convento da Serra” chega-nos por via de uma lenda que remonta ao reinado de D. Afonso Henriques, e referenciada por Frazão de Vasconcelos, nos anos 20 do séc. XX, quando faz uma visita a este local, e que passamos a citar:

A lenda da Senhora da Serra perde-se no início da nossa nacionalidade. Rezam os livros das ordens religiosas, e entre eles os que saíram da pena clássica de Fr. Luís de Sousa, que, quando el-Rei D. Afonso Henriques, já com mais descanso, reinava em Portugal, uns pastores que apascentavam o seu gado no circuito de uma não muito levantada serra, que fica perto de Almeirim, cujo distrito é ainda hoje uma charneca deserta, então só se via que era ali o centro das mais fragosas penhas, com alta espessura de embrenhados matos: ali viram um dia os ditos pastores, na ladeira de um monte, entre áspera penedia, onde só as feras habitavam, sendo incógnito aos homens, os reflexos de umas resplandecentes luzes, as quais dizem que continuaram assim por sucessivos dias. Guiados por estas luzes, entraram os pastores em uma cova e nela encontraram uma imagem da Virgem Santíssima, que logo foi venerada numa pequena Ermida que os descobridores, apesar da sua pobreza, fabricaram na serra e que no decorrer dos anos se tornou muito visitada, não só pelos fiéis como também pelos que o divertimento da caça levava àqueles sítios.
(Vasconcellos, 1924: 3-5).

Fonte:

VASCONCELLOS, Frazão de (1924). A sepultura de Fernão Soares – pagem do livro del-rei Dom João III existente no Convento da Serra. Lisboa: Tipografia do Comércio. 

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