sexta-feira, 25 de abril de 2014

40 anos do 25 de abril


Porque o património, sobretudo a mais recente, também se faz de fotografias. Porque mais que património, hoje comemoramos a hipotese de ter este espaço, onde podemos escrever livremente e sem medo, algo que seria impensável antes do dia desta foto. 

Na foto, tirada por Eduardo Gageiro, vemos Salgueiro Maia, à esquerda, e alguns militares a fazer o V de vitória com os dedos indicadore e médio. Salgueiro Maia, neste momento, voltava das negociações na Rua do Arsenal, e foi só aí que percebeu que  revolução triunfara. 

Foi à precisamente 40 anos. 

O Alinhamento da RR na revolução de abril


O alinhamento, colocado à 0.20 no ar, consistia na leitura da primeira quadra da Grândola (Grândola Vila Morena/ terra da fraternidade/ o povo é quem mais ordena/ dentro de ti ó cidade), a música, novamente a primeira quadra, seguida dos poemas “Geografia” e “Revolução Solar” e finalizando com a música “Coro da Primavera”, de Zeca Afonso.

A música “Grândola Vila Morena” é sem dúvida um dos marcos da revolução que hoje comemora os 40 anos. É talvez uma das mais conhecidas músicas de intervenção em Portugal. Tem como autor e interprete José Afonso, ou Zeca Afonso. A sua presença no alinhamento daquela noite teve como objetivo ser a senha da revolução, colocando-a em marcha. Segundo o próprio Zeca Afonso, a Grândola “era um fator estimulante de congregação das pessoas, congregação emocional, agora que tivesse tido essas proporções e que tivesse sido esse pontapé de saída, aliás, como eu digo, sem a minha participação consciente é uma coisa que me enche de regozijo”.

Foi precedido de uma outra música, às 23.00, “E depois do Adeus”, interpretada por Paulo de Carvalho, na Rede de Emissores Associados de Lisboa, que deu início às operações militares.

Fontes:
RIBEIRO, Nelson Costa (2000). “A Rádio Renascença na transição de regime: do 25 de abril ao 25 de novembro”, Lusitania Sacra, 2.ª Série, 12. (p. 267-314).

(2014) Operação Fim-Regime, Revista “Visão História”, n.º 23. 

domingo, 20 de abril de 2014

500 anos do Convento da Serra


A leste de Almeirim, nas densas brenhas
Duma Serra não muito levantada, 
Por um pasto, que viu luzes estranhas,
Uma imagem da Virgem foi achada.

Por gente humilde (a Fé move montanhas)
Pedra por pedra foi edificada
Uma Ermida naquelas rudes penhas, 
À Senhora da Serra Consagrada.

Visita-a o Povo, Príncipes e Reis, 
Até que sendo tantos os fiéis
D. Manuel nova Ermida levantou.

E a lenda fez-se História e Tradição
Quando, a instâncias do Infante D. João, 
O Convento da Serra se fundou
Francisco Henriques, Cântico à Minha Terra

Neste mês de maio de 2014, em que se assinalam os 500 anos da fundação do Convento da Serra, iremos aqui empreender uma série de publicações, com os temas referidos abaixo, sobre esta secular casa conventual. À medida que forem ficando disponíveis, serão desbloqueados os links de acesso aos temas.  


Contemplo estas ruínas seculares,
Restos mortais de um Paço majestoso:
Muro ameado e brasão do Venturoso
Ladeado por esferas armilares.

Agora, estes históricos lugares,
Paraíso perdido – e tão saudoso! –
Evocam, no abandono lastimoso,
Coutada, moinhos, hortas e pomares.

A Ribeira de Muge já não canta
Sob a janela manuelina, à Infanta,
Nem a trompa anuncia as montarias.

Até que um novo almoxarife assome
E afaste o mau presságio do teu nome,
Paços dos Negros, negros são teus dias.
Francisco Henriques, Cântico à Minha Terra 


Neste ano que se comemoram os 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge, apresentamos aqui um tema por mês relacionado com este lugar. A lista abaixo irá sendo atualizada ao longo do ano, à medida que os temas forem saindo. Para aceder ao conteúdo, basta clicar no respetivo mês:

JaneiroOrigem e proprietários do Paço Real da Ribeira de Muge

FevereiroOs almoxarifes do Paço Real da Ribeira de Muge

MarçoO Paço desaparecido

AbrilOs moinhos ligados ao paço

Maio: A relação entre o Convento da Serra e o Paço Real da Ribeira de Muge

Junho: A Capela de S. João Baptista

Julho: O Pórtico

Agosto: Os negros e os escravos no Paço Real da Ribeira de Muge

Setembro: O Rei Preto

Outubro: Os Azulejos do Paço Real da Ribeira de Muge

Novembro: 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge

Dezembro: O "Passos Negros" à luz dos registos paroquiais do séc. XVII

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Dia Nacional dos Moinhos & Candonga


 

A Academia Itinerarium XIV aderiu neste ano de 2014 ao Dia dos Moinhos Abertos e Dia Nacional dos Moinhos (de 5 a 7 de abril). Para além do moinho aberto, os elementos da academia protagonizaram ainda uma peça de teatro, por eles escrita, denominada por "Candonga". 


No Moinho do Fidalgo, onde se promoveram as iniciativas, cruzam-se a história da tecnologia com a história dos homens. Homens e mulheres que, nas décadas de 30 e 40 do séc. XX contrabandearam géneros que estavam racionados. Que neste moinho trabalharam noite inteira, e que ao raiar da aurora tinham de ter tudo limpo, como se não lá tivesse trabalhado ninguém. Foi este momento histórico que se trouxe ao presente com a peça “Candonga”. Esta retrata uma noite daquele tempo, em que vemos as pessoas com o coração nas mãos, com medo de serem apanhadas pelos “fiscais”, mas cuja fome conseguia ser maior que o medo.

As iniciativas contaram com um total de 92 participantes, entre visitantes do moinho e público durante o momento teatral. 


Texto: Samuel Tomé
Fotos: João Reis
Vídeo: Marcos Evangelista


segunda-feira, 7 de abril de 2014

IV. Os moinhos ligados ao paço – nos 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge

Indo na sequência da apresentação de um tema por mês neste ano de 2014 relativo ao Paço Real da Ribeira de Muge, neste dia 7 de abril, Dia Nacional dos Moinhos, apresentamos os moinhos que, de alguma forma, estiveram ligados a este local.

Carta militar – extrato da zona envolvente ao paço, com todos os engenhos assinalados.

Aquando a da sua visita, em abril de 1511, aos terrenos onde se estava a iniciar a construção do paço, doados por Francisco e Vasco Palha ao rei, Pedro Matela (Contador de Santarém), menciona a existência de três moinhos neste local. Estes moinhos, posse dos Palha, são igualmente doados ao rei, concedendo-lhes ele uma tença de dez moios de trigo anuais em retribuição. Um destes engenhos ficava junto ao paço (já desaparecido) e os outros dois mais abaixo. São estes os que chegaram aos nossos dias como o Moinho do Pinheiro (ou Moinho do Meio, no séc. XVI) e o Moinho da Ponte Velha (ou Moinho Derradeiro, à época).

Em 1518 é titular do ofício de almoxarife do Paço Real da Ribeira de Muge Antão Fernandes. Este recebe por parte do rei o direito de construir um moinho em qualquer lugar que lhe conviesse no Vale João Viegas. Em 1537 o Moinho da Ponte Velha  é aforado a Luís da Mota (3.º almoxarife), sem pagamento de renda, uma vez que o engenho ruíra no ano anterior e este se comprometia a mante-lo operacional. A cedência gratuita deste engenho volta a ser atribuída ao almoxarife do Paço em 1546, com a incumbência de o manter operacional. O cargo era ocupado pelo genro de Luís da Mota, Estevão Peixoto. Esta doação é confirmada em 1568 por D. Sebastião.

Últimos destroços do moinho que se encontrava próximo da cerca do pomar real. Foto de 2006.

Por volta de 1700 seria o moinho que se encontrava junto da cerca do pomar real propriedade do almoxarife do paço Paulo Soares da Mota I. Após a sua morte, passou para a sua mulher, Josefa Maria.

Chegaremos ao início do séc. XX com cinco moinhos nas imediações do Paço Real da Ribeira de Muge (três na Ribeira de Muge e dois no Vale João Viegas), e Manuel Francisco Fidalgo como proprietário do paço e dos dois engenhos situados no Vale João Viegas. Estes eram designados por “minholas”, em virtude de serem engenhos de pequena dimensão, com apenas um casal de mós. Uma das “minholas” seria, possivelmente, o moinho construído por Antão Fernandes, no séc. XVI. Contudo, o que é facto é que uma delas foi herdada por Manuel Francisco Fidalgo da sua sogra, Guilhermina Moreira.

Carta militar da zona do paço. A vermelho dos moinhos que já desapareceram e a verde o Moinho do Fidalgo. A azul e tracejado, a possível localização da cerca do pomar real.

Quanto aos outros três engenhos, encontravam-se nesta época já na posse de outros proprietários, estando já desafetos ao paço. Hoje existem ainda dois (já parados), e daquele que se situava mais acima no curso da ribeira, desapareceram as suas últimas ruínas recentemente.

Para poder obter um rendimento superior ao que tinha com as suas “minholas”, Manuel Francisco Fidalgo mandou edificar um outro engenho, já próximo da sua casa, sob um tanque que em tempos tinha abastecido o paço de água. É o Moinho do Fidalgo, que chegou aos nossos dias junto às ruínas do Paço Real da Ribeira de Muge, sendo o mais “jovem” elemento da construção. As duas “minholas” já desapareceram.

Moinho do Fidalgo, na atualidade.

Quanto ao Moinho do Fidalgo, atravessou todo o séc. XX, cumprindo a sua função até aos anos 80. Conta com cinco casais de mós, tendo sido mecanizado em meados da centúria, levando a três casais de mós fossem adaptados a um motor a diesel. Foi primordial a sua atividade no período de racionamento imposto pelo regime salazarista durante a Guerra Civil de Espanha e a 2.ª Guerra Mundial. Este contrabandeou a produção de farinha e o descasque de arroz durante este período, tornando-se vital para o abastecimento destes géneros alimentares às populações dos locais mais próximos.

Bibliografia e outras fontes:
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.
Jesuína Fidalgo (fonte oral).
Manuel Cipriano (fonte oral).
Manuel Fidalgo (fonte oral).
TOMÉ, Samuel (2012). “Moinho do Fidalgo: a conservação de uma (i)materialidade”, Molinologia Portuguesa, n.º4. S/l: Etnoideia.
TOMÉ, Samuel (2012). O Património Molinológico como fator identitário e vetor do desenvolvimento económico: o caso da Ribeira de Muge. Dissertação de Mestrado em Gestão e Programação do Património Cultural apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Hoje comemoram-se 100 anos da criação do Concelho de Alpiarça - Discurso de José Relvas no Senado da República

 

Sob vários aspectos foi apreciado o projecto de autonomia do concelho de Alpiarça durante a discussão da questão prévia do adiamento. Os Srs. Senadores, que defenderam o adiamento, insistiram, principalmente, na recusa a igual projecto relativo ao concelho do Bombarral e na próxima discussão do Código Administrativo.

Outros argumentos foram produzidos, mas mais vale reservar a sua apreciação para o momento de discutirmos o projecto.

Por agora basta dizer que os recursos, financeiros do novo município são suficientes para a sua vida autónoma, que tem os elementos necessários para se administrar, população suficiente para justificar a sua existência independente, nem sequer lhe faltando o edifício para sede de todas as repartições municipais e do Estado.

Creio bem na sinceridade e boa vontade dos parlamentares que afirmaram a próxima discussão do Código Administrativo. Certo é, porêm, que muitos assuntos, e alguns de grande importância, tem de ser apreciados nesta casa e numa sessão já adiantada. Basta lembrar o Orçamento, a revisão da lei de separação das igrejas e do Estado, a amnistia e vários projectos de discussão inadiável para os interêsses da nação.

As reclamações de Alpiarça vem já de muito longe; foram formuladas perante o Govêrno Provisório, que, por melindres bem justificados, se absteve de dar satisfação a uma terra que vinculara o seu mais forte movimento político à revolução que proclamou a República. 

Não venho, Sr. Presidente, fazer esta referência para justificar um projecto que, desacompanhado doutras razoes, não seria defensável. Nem a isenção daquele movimento patriótico me permitiria desvirtuá-lo, vindo a esta Câmara solicitar como que a sua paga.

O meu fim é apenas justificar, em 1914, a urgência dum projecto que já era urgente em 1910, consignando tambêm o meu receio de ver retardada a aprovação da nova lei administrativa e mais uma vez protelada a legítima aspiração dum povo que, pelo seu rápido desenvolvimento económico, está exigindo melhoramentos locais, que só poderá realizar quando alcance a sua independência.

Com estas palavras respondo tambêm à alusão que foi feita a dissenções que teriam motivado a separação dos concelhos.

Tal razão nunca me levaria à defesa do projecto, salvo se existissem rivalidades perigosas e condições tam extremas que impusessem essa solução.
Felizmente não existem.

O Sr. José de Pádua afirmou que votara a criação do concelho do Bombarral. Outros Srs. Senadores a votaram tambêm, de sorte que essa razão me não detêm. 


Intervenção de José Relvas, enquanto senador, no Senado da República, na discussão da criação do Concelho de Alpiarça. 

Diário das Sessões do Senado - Sessão de 9 de Fevereiro de 1914 (pp. 4-5).