sexta-feira, 27 de junho de 2014

Sobre as lápides existentes no Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação

Quando falamos (aqui) sobre as personalidades que foram sepultadas no Convento da Serra, falamos de todos aqueles que aparecem mencionados em algum lugar. No entanto, em 1924 Frazão de Vasconcellos, numa publicação sobre uma visita sua a este local, menciona a existência de três lápides sepulcrais. Hoje estão no Museu Municipal de Almeirim precisamente três lápides provenientes desta casa conventual.


Lápide de Fernão Soares, no Museu Municipal de Almeirim.

Uma delas pertence a Fernão Soares, é brasonada, e o epitáfio reza “SEPVLTURA DE FERNÃO SOA/RES FIDALGO DA CASA DE/L REI DO JOAO TERCEIRO DESTE/ NOME E SEU PAJE DO LIV/RO FALECEO AOS XXII DIA/S DO MÊS DE JVNHO NA E/RA DE 1544 ANOS”. O brasão é esquartelado (dividido em quatro partes), com as armas dos Calatayud e Figeirôa. Tem 10/4,5 palmos.

Fernão Soares era filho de D. João de Catalayud e D. Aldonça Soares de Figueirôa, aragoneses, que vieram para Portugal com a Rainha D. Maria (segunda mulher de D. Manuel I), para a servir. Esteve dois anos em serviço em Tânger, onde recebeu a Comenda de Santa Maria de Almendra da Ordem de Cristo, em 1537. Braamcamp Freire menciona que morreu solteiro e sem filhos, o que Frazão de Vasconcellos discorda, dizendo que além de ter sido casado com uma D. Maria (filha de D. Maria de Meneses e Francisco de Anhaya), teve uma filha bastarda, que se tornou freira.


Os três fragmentos da lápide de Diogo Vaz Ronquilho, no Museu Municipal de Almeirim.

Uma outra tem inscrito o nome de “Diogo Vaz Ronquilho”, sem data ou outro elemento. Não conseguiu o autor apurar quem seria este Diogo Ronquilho, apesar de referir um epitáfio na nave central da Igreja de Santa Iria, em Santarém, onde rezava “Sep.ª de Diogo Vaz Ronquilho e de seu herdeyros”, que também não continha data alguma. Encontra-se partida em três partes, não se sabendo se se separou ao ser removida do local onde se encontrava originalmente, ou se isso aconteceu posteriormente. Frazão de Vasconcellos não refere tal coisa no seu trabalho. Contudo, sabemos que quando chegaram ao museu, se encontrava já neste estado.



Lápide de Beatriz Fernandes, à entrada do Museu Municipal de Almeirim.

Por fim, é ainda aludida por Frazão de Vasconcellos uma terceira lápide, que tinha apenas inscrita uma data – 1544. Todavia, não nos pode deixar de parecer curioso que está hoje no museu uma lápide de 1544, que pertence a Beatriz Fernandes. Será a mesma? Se sim, porque razão disse o autor que esta não tinha outro elemento além da data?

No final da sua publicação, Frazão de Vasconcellos menciona que aconselhou, na Associação de Arqueólogos, a que as três lápides fossem recolhidas ao museu distrital, tendo o Visconde de Santarém iniciado as diligências nesse sentido. Após vários percalços, as lápides de Diogo Vaz Ronquilho e Fernão Soares vieram parar ao museu, manifestando nós a nossa dúvida se a terceira não será a de Beatriz Fernandes. É possível vê-las hoje neste local.

                                                     
Fonte:

VASCONCELLOS, Frazão de (1924). “A Sepultura de Fernão Soares, pagem do livro del-rei Dom João III existente no Convento de Almeirim”, separata da publicação Arqueologia e História. Lisboa: Tipografia do Comércio.


terça-feira, 24 de junho de 2014

As capelas no Paço Real da Ribeira de Muge – nos 500 anos da sua conclusão

Sendo hoje o dia de S. João Baptista, e sendo ele o patrono da capela do Paço Real da Ribeira de Muge, parece-nos ser o dia ideal para apresentar este tema no empreendimento anual que fizemos sobre o paço. Tendo a religião uma forte presença no dia-a-dia do séc. XVI, e sendo os monarcas portugueses extremamente religiosos, faz todo o sentido que a construção de um paço previsse a existência de um templo religioso.
  

São João Baptista, no altar-mor da Igreja Paroquial de Almeirim.
Escultura atribuída a Machado de Castro.

O primeiro capelão que temos conhecimento foi o frade franciscano da Ordem Terceira, Diogo Pacheco, datando de 1532 o pedido ao papa por D. João III para que este servisse na “capelania da capela dos meus paços da Ribeira de Muge”. Este pedido menciona que o rei estava “de sua bondade bem enformado e por os vezinhos dali d’aredor estarem dele e de seu serviço contentes”. Poderá esta afirmação querer dizer que este religioso já exercia o cargo, tratando-se o pedido apenas de uma oficialização?

A 2 de setembro de 1551 foi nomeado para o cargo de capelão António Valente, clérigo de missa, residente em Santarém. Este teria de dizer missa na “capela dos Paços da ribeira de Muja” aos “domingos e festas do ano somente, e todas as outras missas que nela for obrigado a dizer, dirá nesta vila de Almeirim”. Não tinha este obrigação de viver no paço, e tinha como ordenado seis mil reais, três moios de trigo, um tonel de vinho e quatrocentos reais para palha. A nomeação de António Valente foi em substituição de Frei Pedro Mora, que falecera. Teria existido algum outro capelão entre este Frei Pedro Mora e Diogo Pacheco?


Edifício conhecido como “Escolas Velhas”, onde existiu a Igreja do Divino Espírito Santo da Ordem Terceira de S. Francisco.

Sabemos que em Almeirim existia, desde 1527, uma Igreja e um Hospital dedicados a Nossa Senhora da Conceição, ligados à Igreja do Divino Espírito Santo, sede da Ordem Terceira de Francisco. Não seria estranho se Diogo Pacheco estivesse ligado a esta instituição, sendo por isso normal a sua nomeação para capelão da capela do paço em 1532. Já Frei Pedro de Mora, é mencionado num recibo de uma tença em 1525 como prior do Convento de Nossa Senhora da Serra. Quanto a António Valente, podemos levantar algumas interrogações. Seria também um frade do Convento da Serra? Ou a ausência da sua designação como “frei”, relevaria que pertencia ao clero regular? Com efeito, a sua nomeação diz que era “clérigo de missa, morador da vila de Santarém”, não aludindo a qualquer casa monástica ou conventual.

O que é facto é que a partir do dia de S. João Baptista (24 de junho) de 1560, passava a capela do Paço Real da Ribeira de Muge para os frades. O Alvará menciona que tal acontece por falecimento do capelão, António Valente. Passavam estes a receber o mesmo valor em géneros e dinheiro que recebia António Valente, mediante uma certidão do almoxarife do paço, em como efetuavam os serviços para os quais eram nomeados. Estabelece-se a partir daqui uma relação entre estas duas casas, que falamos aqui.


Pórtico do Convento da Serra, único vestígio arquitetónico subsistente desta casa conventual no lugar onde ela se ergueu.

Os documentos encontrados por Evangelista (2011) aludem a duas capelas neste espaço. Uma, de invocação de S. João Baptista (mencionada em 1758 e 1764) e a Real Capela de Nossa Senhora da Graça (aludida em 1749). O autor aventa que a primeira capela seria de utilização pública, para as celebrações religiosas e que aí assistiriam não só os residentes no paço como também as populações que vivessem nas cercanias (o que pode ser corroborado pelo facto de o pedido de súplica para Diogo Pacheco mencionar que a população estava contente com ele). A outra seria de uso privativo dos monarcas, e as cerimónias aí realizadas seriam de validos próximos a estes. Noutros documentos aparece apenas a referência à “capela [ou ermida] de Paço dos Negros” ou então “Real Capela de Paço dos Negros”, sendo que, com a ausência de invocação, se deduz que a adjetivação de “real” se refere à Capela de Nossa Senhora da Graça.

Tendo presente esta linha de pensamento, pode inferir-se que o edifício que chegou aos nossos dias no complexo do paço será a Capela de S. João Baptista, pela feição que tem, marcadamente pública, isto é, aberta a todos. Ficou registada a memória de ainda ter funcionado, ainda que esporadicamente, em ofícios religiosos, até à segunda metade do séc. XIX. Desta forma, podemos levantar a questão: onde ficaria a Real Capela de Nossa Senhora da Graça? Dela já se perdeu a memória. Sendo uma capela de cariz privativo e particular (quem sabe, até pouco mais que um pequeno aposento adornado com um oratório, ainda que ricamente decorado), ficaria na parte residencial do paço, precisamente aquela que desapareceu e que aludimos aqui


Reconstituição do interior do paço, com o enquadramento da capela.
Aguarela de Maria Nélia Castelo.

A Capela de São João Baptista é um edifício de uma só nave, com telhado de duas águas. Estaria inserida no alpendre existente na frente daquela parte do paço, que arrancando da parede do pórtico, faria um L no pátio. Na fachada principal tem uma janela gradeada, alinhada com a porta. A porta tem a soleira em cantaria, ainda que sem decorações de relevo, ou pelo menos estas não chegaram aos nossos dias. O edifício tem ainda à direita da porta um contraforte arredondado. Teria sido adicionado aquando da demolição do alpendre, para reforço da estabilidade do edifício? Antes de ter sido rebocada, era visível acima da porta um buraco. Há memórias que acima da porta da capela existia uma pomba em pedra. Seria uma invocação do Espírito Santo, nesta capela? Ou seria o buraco simplesmente originário do arranque de uma trave do alpendre?


Interior da Capela de S. João Baptista, em 2009.

 Exterior da capela, em 2006. É visível o buraco por cima da porta.

A capela foi dessacralizada no final do séc. XIX ou início do séc. XX. Sabemos que teve anos a fio a função de celeiro do moinho, sendo que, por essa razão, levou entaipada a porta da frente e passou a ser utilizada a porta das traseiras. Não sabemos se essa mesma porta foi apenas rasgada nessa altura, ou se já existia. Parece contudo estranho que, sendo rasgada nessa altura, levasse uma abóbada em tijoleira como tem. De estranhar igualmente o nicho existente junto a esta porta, entaipado, mas abobadado.


Capela em 2002, onde é visível a porta entaipada. 


Fachada traseira da capela, em 2006. Porta possivelmente rasgada no início do séc. XX. É visível o nicho entaipado à direita.


Nicho entaipado, após ter sido rebocado.

Bibliografia
(1532). Carta de D. João III ao Doutor Brás Neto. Pag. 716-720, 2013. XI, 8-19.
CASTELO, Maria Nélia (2012). O Palácio Manuelino da Ribeira de Muge, trabalho de âmbito académico do seminário em Itinerários e Paradigmas Monumentais.
CLÁUDIO, António (2005). “As Escolas Velhas”, Conhecer Almeirim, vol. 2. S/l: Ed. Câmara Municipal de Almeirim.
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.



sexta-feira, 20 de junho de 2014

Foi há precisamente 23 anos que Almeirim passou a ser cidade e Fazendas de Almeirim vila

Do Diário da Assembleia da República de 20 de junho de 1991

A Sr.ª Presidente: (...) Não havendo objecções, passamos então imediatamente à votação, na generalidade, na especialidade e em votação final global, dos projectos de lei relativos à elevação de vilas à categoria de cidade, que passo a enunciar
(...)
No distrito de Santarém: n.º 585/V (PS) - Entroncamento, no concelho do Entroncamento, 601/V (PS) - Almeirim, no concelho de Almeirim, e 676/V (PSD) - Ourém, no concelho de Ourém;
(...)
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.
(...) 
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, vai proceder-se à votação, na generalidade, na especialidade e em votação final global, dos projectos de lei relativos à elevação de povoações à categoria de vila:
(...)
No distrito de Santarém: n.º 600/V (PS) - Fazendas de Almeirim, no concelho de Almeirim;
(...)
Srs. Deputados, vamos então proceder à votação, na generalidade, na especialidade e em votação final global, dos projectos que foram enunciados.
Submetidos à votação, foram, aprovados por unanimidade 
(...) Aplausos gerais, de pé.


Declarações de Voto:
Projecto de lei n.º 601/V (que eleva Almeirim a cidade)
O Grupo Parlamentar do PCP congratula-se com a votação que hoje se realizou aqui, na Assembleia da República, e que levou à criação de uma nova cidade ribatejana.
Almeirim, situada no coração do Ribatejo, a cerca de 80 km a noite de Lisboa e a 7 km de Santarém, na margem esquerda do Tejo, com uma população de cerca de 12000 habitantes, embora classificada como rural, tem ultimamente desenvolvido as suas características urbanas, com a criação de actividades industriais e comerciais. De facto, a propriedade rústica é rica, mas hoje em dia a zona urbana tem-se desenvolvido extraordinariamente.
Por outro lado, além da população residente, tem particular significado a população flutuante. De facto, além daquela que se desloca diariamente de e para os concelhos de Chamusca, Alpiarça, Coruche, Salvaterra de Magos e Santarém, há ainda a que passa em direcção a Lisboa e a que vem aos seus muitos restaurantes, clientes habituais da afamada gastronomia da região.
Finalmente, o Grupo Parlamentar do PCP tem a noção de que a nova cidade de Almeirim se encontra em marcha acelerada ainda para um maior desenvolvimento e deseja ao poder local e a toda a população as mais sinceras felicidades e êxitos nesta nova responsabilidade, para que sirva as suas gentes.
O Deputado do PCP, Álvaro Brasileiro. 
Página do Diário da Assembleia da República onde está a declaração do Deputado Álvaro Brasileiro (natural de Alpiarça e eleito pelo Distrito de Santarém) sobre a elevalção de Almeirim a cidade. 

Projecto de lei n.º 600/V (que eleva Fazendas de Almeirim a vila)
A votação que acabamos de fazer por unanimidade e que cria uma nova vila ribatejana, vila de Fazendas de Almeirim, vem ao encontro das aspirações das suas gentes.
O aglomerado das Fazendas de Almeirim, com uma população actual de cerca de 6000 habitantes e uma área urbana de aproximadamente 350 ha, teve a sua génese nos finais do século passado, como resultado de aforamentos nos terrenos limítrofes de dois latifundiários, Gouxa-Atela e Alorna, para fixação da mão-de-obra rural.
O PCP congratula-se por este nobre acontecimento aprovado hoje, dia 20 de Junho de 1991, e deseja ao poder autárquico as maiores facilidades e êxitos nesta nova responsabilidade, de maneira que sirva os reais interesses da população.
O Deputado do PCP, Álvaro Brasileiro.

Fonte:
Diário da Assembleia da República, de 20/06/1991, publicado a 21/06/1991, pág. 3234 a 3346. 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Uma curiosidade sobre o Convento da Serra

Quando investigamos sobre um tema, e pretendemos recolher o máximo de informação sobre ele, é inevitável tropeçar em dados completamente isolados, e que isoladamente, não têm qualquer importância de maior. Foi o que nos aconteceu com o Convento da Serra.

Na sua obra sobre Benfica do Ribatejo, Henriques (2012) apresenta uma relação de óbitos entre 1746 e 1766, ou seja, o meado do séc. XVIII. Um deles, ocorrido a 20 de julho de 1757 é de Clara Maria, viúva de Manuel Francisco, e que era residente no Convento da Serra, da Freguesia da Raposa. Apesar de ser um dado isolado, permite-nos tirar a ilação que além dos religiosos, viviam no convento, ou junto a este, leigos. Sendo um casal, seriam simplesmente caseiros/servos/criados do convento? Ou seria algo mais que isso, sendo estes parte de uma pequena comunidade que tinha como “senhor” o Convento da Serra?

Independentemente disso, certo é que existiam frequentemente arrendamento de bens (veja-se os moinhos aqui), pelo que a presença de leigos junto ao convento não será de estranhar.

Bibliografia

HENRIQUES, Eurico (2012). As Origens de Benfica do Ribatejo. S/l: Ed. Rancho Folclórico de Benfica do Ribatejo. 


sábado, 14 de junho de 2014

O Convento da Serra como objeto de mercês e dádivas reais – nos 500 anos da sua fundação

Ao fazermos uma pesquisa no site do arquivo nacional da Torre do Tombo, encontramos registos vários com referências ao Convento da Serra. Apesar dos registos que encontramos terem uma dispersão temporal relativamente irregular, cremos que estes seriam mais regulares, estando neste momento por inventariar ou simplesmente desaparecido. Em consonância com esta ideia temos o facto de alguns dos documentos remeterem para outros, cujos originais não estão disponíveis. Para além destes, aludimos ainda mais alguns documentos, de outras proveniências.

Ao longo das demais publicações sobre o Convento da Serra que empreendemos, é comum a alusão a vários documentos de dádivas reais. Procuraremos aqui mostrar outros para além desses, para não entrarmos em repetição.

Representação de D. Manuel I num vitral da capela do Palácio Nacional da Pena. Fonte: Matriz.Net


Assim, e após uma organização cronológica, temos o primeiro registo datado de 25 de maio de 1514, quando D. Manuel dá um alvará a António do Porto, recebedor da Casa dos Escravos, para dar 7$000 réis de esmola aos frades do convento, para comprarem um escravo.

D. Manuel I, em abril de 1516, faz ainda esmola ao Convento da Serra seis cântaros de azeite para iluminar continuamente o Santíssimo Sacramento, a partir de janeiro de 1516. Esta é confirmada em reinados posteriores, nomeadamente D. João III (21 de março de 1526), D. Sebastião – regência de D. Catariana de Áustria (29 de outubro de 1557), D. Filipe I (20 de fevereiro de 1597) e D. João IV (27 de julho de 1649).

Do reinado de seu filho, D. João III, encontramos a cópia de padrão de três tonéis de vinho de mercê ao Convento da Serra, assim como conhecimento do pagamento. Estes houveram sido dados a 24 de agosto de 1512. Já de 31 de agosto de 1529 data um alvará que concede ao convento quatro moios de trigo de esmola.

Retrato do Cardeal-Rei D. Henrique, no Mosteiro de Tibães


A 2 de janeiro de 1580, o rei (então o Cardeal D. Henrique) concede ao Convento da Serra um alvará onde estes possam ter a pastar nas coutadas trezentas cabras e trezentas ovelhas, assim como um “fato” de vacas, sendo estes autorizados a ir beber água à Ribeira de Muge. Neste alvará, ficam ainda os frades autorizados a tirar da coutada toda a lenha seca que necessitem para o convento, e a cortar lenha verde necessária para reparação dos seus moinhos, cancelas do gado e coisas da sua cerca. Este alvará é confirmado por D. Filipe II, em 20 de fevereiro de 1597 e novamente a 21 de junho de 1649.

De 3 de julho de 1649, já após a restauração da independência, é passada uma Carta de Confirmação para que o Convento da Serra pudesse ter um homem para pedir para o dito convento, e que fosse isento de todos os encargos. É ainda D. João IV que irá conceder um alvará ao Convento da Serra, datada de 16 de outubro de 1652. Este confirma uma esmola de 20$000 réis anuais ao convento destinados a “uma vestiaria, e quatro pessas de figos, duas pessas de uvas, e seis alqueires d’arroz”.

Gravura retratando D. Maria I. Matriz.net


Por fim, é do último quartel do séc. XVIII, mais propriamente do reinado de D. Maria I que encontramos uma maior série de registos. O primeiro, ainda do ano em que esta subiu ao trono, data de 7 de julho e trata-se de uma Carta de Confirmação de uma esmola em cera. A 25 de setembro de 1779, a rainha concede uma Carta de Esmola de 1$000 réis de pão colhido nas jugadas reais. Ainda desse ano encontramos mais dois alvarás, nomeadamente para compra de um macho (20 de dezembro) e concessão de 25$000 réis pagos pelo Almoxarifado das Jugadas da Vila de Santarém (25 de dezembro). Existem ainda dois alvarás datados de 15 de julho de 1782. O primeiro diz respeito a uma esmola, sem mais referências. O segundo é uma esmola de quatro arrobas de açúcar e três de incenso com salva. Por fim, o último documento indexado sobre o Convento da Serra é um alvará datado de 18 de dezembro de 1783, com uma esmola de especiarias.

Fazendo uma leitura transversal do que consistiam estas doações, verificamos que as doações eram feitas frequentemente em géneros. Quando feitas em dinheiro, tinham como objetivo uma compra específica – veja-se o primeiro caso que mencionamos, em que os 7$000 réis se destinavam especificamente à compra de um escravo. Torna-se igualmente interessante perceber que estas doações podiam revestir a forma de isenção de impostos, como o caso do homem que pedira para o convento.


Fontes Documentais:
(1514). Corpo Cronológico, Parte I, maço 15, n.º 44.
(1524). Corpo Cronológico, Parte II, maço 122, n.º 56.
(1529). Corpo Cronológico, Parte I, maço 43, n.º 73.
(1540). Corpo Cronológico, Parte I, maço 67, n.º 64.
(1649). Chancelaria de D. João IV, Livro 7, fls. 32, 32v e 33.
(1649). Chancelaria de D. João IV, Livro 7, fls. 33 e 33v.
(1649). Registo Geral de Mercês, Livro 8, fl. 94.
(1652). Chancelaria de D. João IV, Livro 22, fl. 213.
(1777). Registo Geral de Mercês de D. Maria I, Livro 1, fl. 279.
(1777). Registo Geral de Mercês de D. Maria I, Livro 1, fl. 279v.
(1779). Registo Geral de Mercês de D. Maria I, Livro 1, fl. 284.

(1783). Registo Geral de Mercês de D. Maria I, Livro 13, fl. 133. 


quarta-feira, 11 de junho de 2014

Personalidades sepultadas no Convento da Serra – nos 500 anos da sua fundação

As sepulturas no interior das igrejas são uma constante ao longo da nossa história, até ao séc. XIX, quando se começa a fazer isso em cemitérios. Contudo, nem todos teriam direito a uma lápide, estando esse privilégio reservado aos mais ricos. Acreditando que este seria um local de sobeja importância e peregrinação no séc. XVI, assim como pelo facto de a corte estanciar muito por Almeirim nesta época, esta seria uma casa procurada também para esse fim. Encontramos notícia da existência de cinco sepultamentos neste local.

O primeiro que podemos mencionar é o de Diogo Vaz Ronquilho. Por outro lado, datado de 1543, sabemos que aqui foi sepultado Fernão Soares. Em 1554 é sepultada na igreja deste convento Beatriz Fernandes. Sobre estes três ocupar-nos-emos dentro em breve, visto que as suas lajes sepulcrais chegaram ao séc. XXI.

Reconstituição da configuração da parte do Paço Real da Ribeira de Muge que é atribuída como sendo a Casa do Almoxarife (entre o pórtico e a capela), cargo de nomeação régia, que foi exercido por Estevão Peixoto. Aguarela de Maria Nélia Castelo.

Estevão Peixoto, moço da câmara de D. João III e posteriormente almoxarife do Paço Real da Ribeira de Muge (nomeado em 1536), redige o seu testamento a 25 de março de 1574, onde manifesta a sua vontade em ser sepultado no Convento da Serra. Com toda a certeza que a relação estabelecida entre os dois lugares, a que aludimos aqui, não foi estranha a esta escolha de Estevão Peixoto. Foi cumprida a sua vontade, tendo sido sepultado, segundo Vasconcelos (1926), no claustro do dito convento, junto à sacristia, tendo a sua laje sepulcral o seguinte epitáfio: “DE ESTEVÃO PEIXOTO E SUA MOLHER ISABEL DA MOTTA”.

Estevão Peixoto foi o quarto titular do ofício de almoxarife do Paço Real da Ribeira de Muge. Apesar de ser nomeado em 1536, já exercia o cargo desde 1535, desde a morte do seu sogro. Não sabemos quando morreu, mas apenas sabemos que o almoxarife seguinte (Duarte Peixoto, seu filho), foi nomeado em 1574. Contudo, seria possível que já exercesse o cargo há algum tempo, desde a morte de seu pai. Para além disto, o testamento de Estevão Peixoto deixava ainda um legado ao Convento da Serra para que fossem rezadas 50 missas anuais. Este tributo deixa de ser pago por João Rodel Figueira (seu bisneto, sétimo almoxarife do paço, nomeado para o cargo em 1644).

Já no séc. XVII, sabemos que D. Fernando de Mascarenhas (Conde da Torre) morre a 9 de agosto 1651 e é enterrado no Convento da Serra. Houvera sido, entre outros importantes cargos, governador e capitão geral da cidade de Ceuta (1624-25) e Tânger (1628-1637), assim como presidente do Senado da Câmara de Lisboa.

Para além destes, como referimos, acreditamos que tenham sido sepultados muitos outros notáveis do reino no Convento da Serra.

Bibliografia:
CUSTÓDIO, Jorge (2008). Almeirim – Cronologia. S/l: Edições Cosmos.
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.
VASCONCELLOS, Frazão de (1924). “A Sepultura de Fernão Soares, pagem do livro del-rei Dom João III existente no Convento de Almeirim”, separata da publicação Arqueologia e História. Lisboa: Tipografia do Comércio.
VASCONCELLOS, Frazão de (1926). “O Paço dos Negros da Ribeira de Muge e os seus almoxarifes”, separata da publicação Brasões e Genealogias. Lisboa: Tipografia do Comércio.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Culto de Nossa Senhora da Serra no Oriente – nos 500 anos da fundação do Convento da Serra

O culto a Nossa Senhora da Serra, cuja casa-mãe era aquela que temos vindo a tratar deste o passado mês de maio, terá sido uma presença constante no dia-a-dia dos portugueses do séc. XVI, com toda a certeza impulsionada pela regular presença da corte em Almeirim. Com efeito, e não esquecendo que à época da sua fundação os Descobrimentos e o comércio com a Índia estavam no seu auge, existiu uma nau que tinha o nome “Nossa Senhora da Serra”.


Afonso de Albuquerque, autor desconhecido (1555/1580). Museu Nacional de Arte Antiga (Fonte: Matriz.Net)

Esta nau, comandada por Afonso de Albuquerque, encalhou nuns baixos ao largo da Ilha de Camarão. Afonso de Albuquerque faz então um voto que, caso se salvasse, edificaria uma igreja com a invocação de Nossa Senhora da Serra, em Goa. Assim acontece, e a dita igreja é mandada levantar em 1513, muito próxima de uma porta da cidade, a “Porta dos Bacais”.

O edifício foi construído virado para noroeste e “tinha seteiras em volta da abóbada e tôrres ameadas para a defesa da porta” (Saldanha, 1990: 146). No seu interior, as abóbadas eram douradas, sendo considerada a “mais rica da cidade” (idem). Ladeada por esferas armilares e com uma inscrição aos pés, estava uma estátua de Afonso de Albuquerque, juntamente com o seu escudo, no frontispício desta igreja.

Proposta de reconstituição da fachada de Nossa Senhora da Serra de Goa.

A construção desta igreja foi acompanhada com 48 lojas junto a uma praça perto da igreja, a que posteriormente se chamou “Praça do Pelourinho”. O objetivo das lojas assentava no sustento da igreja e do sacerdote que aí tinha obrigação de celebrar a missa diária por alma do fundador da igreja, após a sua morte, através de parte do valor das rendas. O remanescente destinado à bolsa órfãos filhos de portugueses e também para remunerar os juízes da cidade, que, de três em três anos, eram responsáveis pelas contas da igreja.

A 16 de dezembro de 1515 Afonso de Albuquerque morre em alto-mar, sendo sepultado nesta igreja, segundo a sua vontade testamentária, sendo aqui o local onde se fizeram as suas cerimónias fúnebres. Ao seu túmulo acorriam os indígenas para pedir proteção da opressão a que muitos os votavam. Este culto conhece o seu fim em 1565, quando os seus restos mortais são transladados para Lisboa.



Estátua de Afonso de Albuquerque, no Museu de Arqueologia de Penjim. Será a mesma estátua a que se refere o autor em questão? Apenas se sabe que esteve numa praça de Penjim. Foto de João Taborda.

Esta igreja é demolida em 1811, quando já se encontrava muito arruinada. Manteve-se em pé apenas o frontispício que também acaba por ser demolido em 1842. Desta feita, o Conde de Antas, então governador, ordenara que a estátua de Afonso Albuquerque, assim como alguns elementos escultóricos fossem transferidos para a praça fronteira ao Quartel de Artilharia de Goa, em Penjim, que entrou em construção em 1843.

Bibliografia:
SALDANHA, Manoel José Gabriel (1990). História de Goa – Parte III: política e arqueológica. S/l: Praça de Água. 

Clicar na imagem para aceder a todos os conteúdos do Convento da Serra.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Noviciado do Convento da Serra e Frei Tomás - nos 500 anos da fundação do Convento da Serra

Na sua História da Ordem de S. Domingos, Frei Luís de Sousa dedica dois capítulos inteiramente à origem e principais factos ligados ao Convento da Serra. O capítulo subsequente é dedicado a Frei Tomás.

O Convento da Serra, menciona Frei Luís de Sousa, houvera tido noviciado, apesar deste já não existir aquando da redação da sua obra. E menciona este que houve aqui um noviço que “só para lhe dar nome e honra supre por muitos” (Sousa, 1866: 490). Era este noviço Frei Tomás da Costa Varão.

D. João III, por Cristóvão Lopes (1552)

Frei Tomás foi escolhido pelo rei D. João (depreendemos que D. João III) para seu pregador. No entanto, era tal a sua humildade, que apenas entrava no Paço Real para pregar, sempre recusou a sua nomeação para Grão Mestre da ordem, apesar do rei sempre lhe oferecer o título, quando este vagava. Apesar de preferido do rei e dos seus irmãos, é descrita a sua cela como a de qualquer ordinário, despojada de qualquer sinal de riqueza ou ostentação.

Contudo, e apesar de toda a sua fama, Frei Luís de Sousa menciona que era de tal forma reto nos sermões que pregava que não hesitou em dizer “a el-Rei no rosto algumas verdades mui cruas e pesadas” (Sousa, 1866: 491). Em dia de cinzas, no final do sermão, não hesitou em explica-lo ao monarca, dizendo “Muito alto, e muito Poderoso Rei, e Senhos nosso. Estas palavas querem dizer, que Vossa Alteza he pó, e cinza, e n’ella se ha de tornar muito brevemente” (idem). Tal afirmação foi recebida não muito bem, não tanto pelo rei, mas por outros seus validos. O monarca acaba por o mandar desterrar da corte, mas para “a mesma casa de que era filho” (ibidem).

"São Domingos", de autor desconhecido (c. 1505). Pintura no Museu de Aveiro. (Fonte: Matriz.Net)
Estes frades caracterizavam-se por ter o hábito branco e escapulário preto.

Referia-se Frei Luís de Sousa a “esta casa onde era filho” ao Convento da Serra? Parece-nos bem possível, tanto mais que é referido que ele, enquanto desterrado, foi visitado pelo rei, e como sabemos, nesta época a corte estanciava bastante por Almeirim.

Bibliografia:
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama.