domingo, 12 de junho de 2016

Algumas linhas sobre o livro “O Moinho do Xico”, de Vera Silva



Este é um pequeno livro lançado em maio de 2016, da autoria da neta de um moleiro e que retrata um moinho – o moinho do seu avô. Não é um tratado sobre molinologia nem tão pouco a análise e o enquadramento deste moinho dentro da área disciplinar na molinologia. Se o tivéssemos de definir duas palavras, essas seriam “memória” e “identidade”.

Com efeito, este livro é um relato do que é o Moinho do Xico, não de um estranho qualquer, mas de quem o vê de dentro, não só como estrutura económica, que garante (ou garantiu) o sustento da casa, mas que mais que isso (ou talvez precisamente por isso), como algo que cria laços afetivo-identitários com o mesmo. Ninguém conseguiria escrever este livro desta forma sem ser a própria autora, porque o “eu” da Vera Silva atravessa toda a obra. Este livro é a preservação da sua memória e da identidade da família que vive em torno daquele engenho.


Ainda que nunca venha a ser assumido como tal, esta obra é um pequeno “tijolo” na construção do projeto da candidatura dos Moinhos de Vento do Oeste a Património Imaterial da Humanidade. Uma candidatura deste género deverá primar pelo que têm de diferente estes moinhos dos demais, pelo que está além dos moinhos. Esta obra assume-se como a passagem à escrita do que diferencia o Moinho do Xico de todos os outros moinhos. O alicerce identitário que o mesmo cria para a família que esteve, economicamente falando, dependente dele. E é este o ponto de partida: se os seus não o souberem valorizar, ninguém o saberá fazer. 

Fotografia da página do facebook do Moinho do Boneco. 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

"Património" - Crónica n' O Almeirinense


“Património” significa “herança que vem dos pais”, não no sentido de progenitores, mas sim de antepassados. Curioso se torna o facto de perceber que em inglês o termo utilizado é heritage, que quer dizer simultaneamente “património” e “herança”. Dentro deste âmbito, a utilização do termo “património cultural” é uma redundância, tendo em conta que todo o património encerra uma dimensão cultural, que é a nossa herança.

Almeirim tem em si uma capacidade patrimonial notável, do ponto de vista histórico, ou não fosse este um dos locais prediletos da presença da corte no séc. XVI. Existiu um Paço Real em Almeirim, o Paço Real da Ribeira de Muge e o Convento de Nossa Senhora da Serra, da Ordem de S. Domingos. De todos estes, apenas chegaram aos nossos dias vestígios muito mal tratados do Paço Real da Ribeira de Muge (em Paço dos Negros) e o pórtico do Convento da Serra. Além destes “monumentos maiores”, existem outros edifícios de interesse, como as diversas igrejas e capelas, solares das quintas agrícolas, edifícios civis (Cineteatro, Mercado Municipal – em Almeirim e Benfica, edifício dos Paços do Concelho, entre outros).

O concelho parte com um forte atraso na sua política de valorização patrimonial. De muito poderíamos falar, mas vamos centrar-nos nas classificações de bens. Pela primeira vez em outubro de 2014 foi proposta a classificação de um bem como Imóvel de Interesse Municipal (a Capela do Calvário) e essa classificação andou para a frente.

Já em 1999 foi proposta a classificação como Imóvel de Interesse Público ao então IPPAR do Paço Real da Ribeira de Muge (último vestígio da presença da corte em Almeirim e que por acaso até é pertença da autarquia – ao contrário da Capela do Calvário). Quando em 2005 este instituto público se pronúncia, dizendo que o mesmo não cumpre os requisitos para a dita classificação, remete à autarquia o processo para que fosse desenvolvida a classificação de interesse municipal. Ao longo destes últimos onze anos foram várias as vezes que o assunto foi trazido à discussão em reuniões de câmara, assembleia municipal ou espaço público pela oposição política ou cidadãos indignados, seja pela sua classificação ou em denúncia dos vários atentados à sua conservação. Apesar de algures ter sido aprovada uma deliberação sobre a classificação do Paço Real da Ribeira de Muge como Imóvel de Interesse Concelhio, o procedimento em nada avançou. O processo continua como estava em 2005: parado. Não que seja uma classificação que irá recuperar o espaço, dinamiza-lo e dar-lhe vida. Mas uma classificação obriga (quanto mais não seja moralmente) a que sejam tomadas providências de conservação. Promove o estudo do local. Desperta a atenção para poderem ser feitos estudos mais aprofundados. Justifica ainda mais a sua inclusão em roteiros turísticos.

A degradação ou desaparecimento do nosso património constitui um empobrecimento cultural e uma manifestação de fraco sentido cívico.