Fotografia aérea da área onde estaria edificado o
Convento da Serra.
Como
referimos aqui, não chegou aos nossos dias vestígio arquitetónico
algum do Convento da Serra para além do pórtico de entrada. Da sua igreja,
contudo, tivemos conhecimento de alguns relatos de pessoas que ainda conheceram
parte da sua estrutura. Sabemos assim que ficaria ao fundo do pátio a que se
tinha acesso através do pórtico. Vemos uma zona destacada na fotografia aérea
acima, onde não cresce a erva. É normal que tal aconteça num sítio onde houve
uma construção, visto que a cal presente nesta anula a capacidade produtiva do
solo. Assim, cremos poder afirmar que seria ali que se situaria a igreja do
convento. Não sabemos ao certo como era a sua planta. Temos contudo
conhecimento que teria um transepto e uma cripta.
Painéis do retábulo do Convento da Serra, a formar um
tríptico. Reprodução de um postal da coleção “Almeirim de Boa Memória”.
O
retábulo da igreja do Convento da Serra, que mencionamos aqui, que
houvera sido mandado fazer por D. Manuel I, ainda existia quando Frei Luís de
Sousa escreve a história de S. Domingos, na primeira metade do séc. XVII. Por
retábulo podemos considerar um “painel de madeira ou pedra que domina o altar
de uma igreja e que é esculpido ou pintado e ricamente decorado”, segundo o
Dicionário Informal da Língua Portuguesa. O mesmo retábulo volta a ser
mencionado em 1740 por Fr. Inácio da Piedade. Aos nossos dias chegaram apenas
três painéis deste retábulo, que estão presentemente no Museu Nacional de Arte
Antiga.
Estes
três painéis, dos quais dois fazem parte da exposição permanente do referido
museu, ao serem agrupados, ficaram conhecidos como o “tríptico dos infantes”,
apesar de na verdade estas pinturas não constituírem um tríptico, mas sim serem
painéis de um retábulo, cujos restantes desapareceram. Os dois painéis com
infantes têm 157cms/67.5cms, sendo pinturas a óleo sobre madeira de carvalho. O
Painel da Virgem, é igualmente uma pintura a óleo sobre madeira de carvalho,
com a mesma altura de 157 cm, sendo mais largo, com 88cm.


Duas possibilidades de reconstituição do
retábulo da Igreja do Convento da Serra. Na primeira, e se não houvesse uma
grande moldura entre cada um dos painéis, teria cerca de 7 metros de largura.
Já o segundo, inspirado no retábulo do Mosteiro dos Jerónimos, da mesma época,
temos os painéis em dois níveis, sendo que o painel central na Virgem, fica
plano superior, tendo no plano inferior a cruz e o sacrário, tendo cerca de
cinco metros de largura. Em ambos os casos, os painéis são distribuídos com
base na idade dos infantes, estando os monarcas, um de cada lado do painel
central da Virgem.
Não
se sabe ao certo quem foi o autor do retábulo, estando contudo inserido na
designada “escola luso-flamenga”, que se caracterizava por ter sumptuosos e
exuberantes fundos paisagísticos e motivos naturalistas (Serrão, 2001).
Todavia, aventam-se as seguintes hipóteses para os seus autores:
-
Frei Carlos, que nas tábuas que lhe são atribuídas, de uma forma transversal,
pode considerar-se que as suas principais figuras representadas assumem uma
“individualidade psicológica patenteada pelos rostos e a serenidade imagética”
(Pereira, 1993: 439)
-
Francisco Henriques, cuja produção do seu atelier
pode ser definida como “revelando um desenho largo e a instalação de figuras em
planos unitários dotados de amplidão espacial.” (idem).
-
Mestre da Lourinhã, “que introduziu novas formas de iconografia e modelos
plásticos na pintura nacional, até então arcaizante e tradicionalista.” (Serrão,
2001: 401).
Os dois painéis dos infantes, expostos no
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.
O
painel da esquerda retrata o infante D. João, futuro rei D. João III. É o
primeiro retrato conhecido do monarca, que à altura teria possivelmente 13 anos.
Apresenta-se de joelhos, com os panejamentos debruados a ouro e a surgirem
movimento, assim como os de S. João Baptista, que era o seu Santo Padroeiro. De
salientar que, por esta época, tinha sido construída a igreja de S. João
Baptista em Almeirim.
O
painel da direita retrata possivelmente o Infante D. Luís com cerca de nove
anos. A figura do infante é acompanhada por um frade dominicano (ordem a que
estava consagrado o Convento da Serra), que seria possivelmente o seu patrono.
O
painel central retrata a Virgem com o menino ao colo, sentada em majestade. É
ladeada por duas figuras angelicais. Segundo Frei Luís de Sousa, a família
real, aqui apresentada, orava à virgem, pelo que podemos depreender que este
seria o painel principal, ou central, em torno do qual apareceriam todos os
outros.
Quadro onde é apresentado o Infante D.
Henrique, como pertencente ao Convento da Serra. Reprodução da Revista
“Ilustração Portuguesa”.
Por
outro lado, encontramos referências a uma outra obra de arte deste Convento. Na
edição de 7 de abril de 1923, na revista “Ilustração Portuguesa”, surge o
quadro representado acima, que é apontado como aquele que o cardeal-rei D.
Henrique mandou fazer para colocar no Altar de Jesus do Convento da Serra, no
cruzeiro. O quadro pertencia à época ao Marquês da Foz, que o houvera comprado
a um antiquário, que mencionou a sua proveniência da Quinta da Alorna. A partir
daqui o autor do referido cria uma série de deduções, de modo a criar a
hipótese de se tratar a da referida pintura, aspetos com os quais corrobora
Vasconcellos (1924).
Contudo,
a nós não nos parece tal possível, visto que Frei Luís de Sousa menciona que o
Cardeal D. Henrique se fez representar “de joelhos e bem ao natural”. Pela
observação da obra, percebemos que o cardeal não está de joelhos. Por outro
lado, se o “ao natural” quiser dizer que é uma representação no tamanho
“natural” de D. Henrique, vemos a possibilidade de se tratar da mesma pintura
ainda mais inverosímil, visto que esta tem 1/1 metro.
Imagem do Cristo Cruxificado no altar-mor da
Igreja de S. João Baptista de Almeirim
Está
na Igreja de Almeirim um outro elemento pertencente ao extinto Convento da
Serra. A imagem de Cristo Cruxificado desta igreja, elemento fundamental em
todos os templos católicos romanos, esteve originalmente no convento dominicano,
sendo conhecido como “Senhor da Serra”. É uma imagem policromada, com as chagas
em relevo e várias feridas no corpo, nomeadamente nos joelhos, face, ombros e
anca. Os músculos do corpo de Cristo estão altamente desenvolvidos. Está
coroado com uma coroa de espinhos, em lhe verte igualmente algum sangue para a
cara.
Pia decorativa que pertenceu ao Convento da
Serra, atualmente no Museu Municipal de Almeirim.
Por
fim, estão presentes ainda no Museu Municipal de Almeirim dois elementos escultóricos
provenientes do Convento da Serra, e com uma forte probabilidade de pertencerem
à igreja. Uma pia, que não seria a pia batismal, visto que essas por regra são
redondas. Seria uma pia situada à entrada da igreja? (como é comum em algumas
igrejas). O seu último friso não a contorna totalmente, estando ausente de uma
das faces, pelo que é possível que estivesse agarrada a uma parede por esse
lado.
Duas mísulas em cantaria, provenientes do
Convento da Serra de Almeirim, atualmente expostas no Museu Municipal.
Encontramos
ainda aqui duas mísulas, recolhidas em 1999 pelo arquiteto Elias Rodrigues,
aquando da organização de uma exposição à época na biblioteca municipal,
designada ”Dos Paços Reais à Cidade”. São duas peças de cantaria, em que se
notam duas partes distintas: uma em que a pedra não está trabalhada, que
estaria possivelmente entalhada na parede, e uma outra trabalhada. O vértice
inferior (nas fotos as peças estão ao contrário) é decorado com motivos vegetalistas.
A mísula em si assume uma forma piramidal, com os lados de diferentes tamanhos.
Quando às funções, poderão ter sido o suporte de uma abóbada, e sendo assim as
pedras de abóbadas diferentes, visto não serem iguais. Uma vez que a parte que
se encontra virada para o chão é totalmente lisa, podem também estas ter sido
bases de imagens de santos, espalhadas pela igreja.
Bibliografia e outras
fontes:
(s/d). “O Príncipe D. João
e São João Baptista” – Matriz.Net.
(ficha de inventário).
(s/d). “O Príncipe D. Luís
(?) e um santo Dominicano” – Matriz.Net.
(ficha de inventário).
FARINHA, Santos (1923).
“Retrato do Cardeal-Rei D. Henrique”, Ilustração
Portuguesa, 2.ª série, n.º 894, de 7-4-1923.
PEREIRA, Paulo (1993). “A
conjuntura artística e as mudanças de gosto” in: MATTOSO, José, História de Portugal, 3.º vol. S/l:
Círculo de Leitores. (pp. 422-467)
RODRIGUES, Elias (2006).
“Convento da Serra de Almeirim: Lugar Sagrado e Patrimonial”, O Almeirinense (ed. de 1 de junho de
2006).
SERRÃO, Joaquim Veríssimo
(2001). História de Portugal, 3.º
vol, 3.ª edição. S/l: Edições Verbo.
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª
edição. S/l: Tipografia Panorama.
VASCONCELLOS, Frazão de (1924).
“A Sepultura de Fernão Soares, pagem do livro del-rei Dom João III existente no
Convento de Almeirim”, separata da publicação Arqueologia e História.
Lisboa: Tipografia do Comércio.
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