quarta-feira, 14 de maio de 2014

O Convento da Serra ao longo do séc. XVI – nos 500 anos da sua fundação

Uma vez que Frei Luís de Sousa escreve na primeira metade do séc. XVII, conseguimos acompanhar a história deste lugar ao longo de todo o séc. XVI. Foram extremamente ligados a ela os monarcas no final da segunda dinastia, assim como o próprio Filipe II.


Pintura de D. João III, por Francisco Holanda (c. 1535). Mosteiro dos Jerónimos.

Com a conclusão do convento, e ainda como infante, o futuro D. João III concedeu-lhe uma renda cómoda para viverem os frades. Sob a dada por seu pai, aumentou-a depois de subir ao trono, sendo vinte frades sustentados por esta. Igualmente já enquanto rei, D. João III mandou adossar ao convento uma pequena casa de campo para si, para aí poder estar comodamente no Convento da Serra quando a corte estanciava em Almeirim.

Quanto ao Cardeal Rei D. Henrique, sabemos pela pena do próprio Frei Luís de Sousa que “a mesma afeição mostrou sempre a esta Casa o Cardeal Dom Henrique, seu irmão [de D. João III], que depois foi último rei deste reino. Achava-se tão bem disposto nela, que afirmava que era o sítio muito conforme à sua natureza e complexão” (Sousa, 1866: 488). Com efeito, o cardeal, para além de estar retratado com os seus pais e irmão em idade pueril (ou seja, com cerca de 4 anos), mandou ainda colocar um retrato seu em adulto no retábulo “diante do crucifixo do Altar de Jesus” (idem), de joelhos e em tamanho natural. Ofereceu ainda o Cardeal D. Henrique ao Convento da Serra uma cruz de prata dourada, incrustada com uma relíquia do Santo Lenho.


Pintura do Cardeal-Rei D. Henrique. Sala dos Capelos, Universidade de Coimbra

Frei Luís de Sousa não nos relata os episódios ou doações entre D. Sebastião e o Convento da Serra, apesar de este ter sido o monarca que mais tempo estanciou em Almeirim. No entanto, e já sobre ordem de D. Filipe, o corpo de D. Sebastião é resgatado do norte de África, para ser sepultado no Mosteiro dos Jerónimos. Contudo, antes de chegar ao seu destino, é velado no Convento da Serra, e Frei Luís de Sousa faz-nos a descrição desse velório:

acudirão os frades a receber feito cinza, quem poucos anes antes agasalhavam vivo, são, e alegre; então com festa e cantos de gosto; agora com vozes funerárias. Tal foi o abalo, que esta consideração fez em todos (eram dezassete os que se acharam no convento) que não ouve nenhum a quem cortasse o coração, e do centro dele arrancasse descontroladas lágrimas. Era presente Dom Afonso de Castelo Branco, Bispo do Algarve (depois foi de Coimbra) que governava esta companhia com muitos fidalgos, que cobertos de tristeza o acompanhavam; e os mais deles se lembravam que o tinham acompanhado, e trazido ali mesmo muitas vezes com grande gosto, e trajos de alegria; caíram na razão, que aos frades obrigava; renovasse em cada um a chaga própria, foi pranto geral” (Sousa, 1866: 488-489)


D. Sebastião, por Cristõvão Morais (1571-1574). Museu Nacional de Arte Antiga. (Fonte: Matriz.Net)

Quando sobe ao trono português, D. Filipe também mostra uma afeição por esta casa conventual, chegando a referir-se a ela como “un mostesterillo de Domínicos, bonito auque pequeño, que se llama Nuestra Señora da Sera”. Com efeito, foi aqui que decidiu aguardar três dias pela chegada da sua irmã, viúva do imperador Maximiano da Alemanha, que vinha ao seu encontro pelo caminho de Coruche.

Sobre este período passado no convento, numa carta escrita a 7 de maio de 1582 em Almeirim, diz-nos o próprio Filipe II:

Y asi m’estuve el jeuves em el monasterio; y el dia que vine de alli se mataram cinco puercos, aunque yo no vi matar sino el uno, y dos llevó Caranda a my sobrinho, que los dió á my hermana, digo quatro puercos y un ciervo, que me troxeron entónces, qu’estava bien gordo, porque dormió my hermana, el jeuves á la noche, quatro leguas del monasterio donde yo estava”.


D. Filipe II, de Ticiano Vecellio (1551). Museu do Prado.

Daqui, seguiram ambos para Salvaterra, onde embarcaram, em direção a Lisboa. D. Filipe ficou de tal forma bem impressionado com o convento, que anos mais tarde, em Madrid, o monarca houvera falado deste a dois portugueses (Mestre Frei João de Valadares e o Duque de Aveiro) em diferentes alturas. Contava o rei um episódio do convento de uma sexta-feira, em que não se poderia comer carne, que faltou o pescado, e de como se resolveu a situação. Terá sido de tal forma bem recebido aqui, ou talvez tenha ficado fortemente encantado ou devoto da Sr.ª da Serra, que lhe fez lembrança de cento e cinquenta cruzados de renda. Esta era-lhe paga na casa e rendas dos cónegos regulares de Santa Cruz de Coimbra. 
  
Bibliografia:
SOUSA, Frei Luís (1866). História de S. Domingos, Livro III, 3.ª edição. S/l: Tipografia Panorama.
VASCONCELLOS, Frazão de (1924). “A Sepultura de Fernão Soares, pagem do livro del-rei Dom João III existente no Convento de Almeirim”, separata da publicação Arqueologia e História. Lisboa: Tipografia do Comércio.

http://embuscadopatrimonio.blogspot.pt/2014/04/500-anos-do-convento-da-serra.html 
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